sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Amor sem trilho



Pode um arrasto de mala de viagem conter a tristeza infinda
de plataforma de partida?

Que estação sempre terminal de partida alegria se pode repetir
em férrea cadência?

Que vazio anguloso em mim
 Que carruagem de ar rarefeito se instala
que nenhuma promessa de intercidades de semana sem fim de regresso
me sossega?

Que dor surda de estares não estando
ao ponto dos olhos represa quase não aguentarem?

Custa-me tanto, meu amor,
amar-te de intervalo, de violento e fugidio vento de partida
de postal ilustrado de paisagem que captas estreita janela
da sufocação da chegada que começa logo partida.

Meu amor, gosto mais de te amar de fim de tarde trilho
de líquido horizonte, onde só nós sabemos.

E de repente, o Mário Quintana que tanto amamos, lembras-te?:
“O pássaro pi-i só pode viajar aos pares e por isso e o símbolo dos enamorados – pois um deles só tem a asa do lado direito e o outro só tem a asa do lado esquerdo: só bem juntinhos é que podem voar!”



sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O MEU GATO



De amarelo do sol de fim de tarde com laivos envergonhados de branco o seu longo e magnífico pelo.

Altivo, felino per si e por essência, nunca foi um gato "à Pina", ou "EPC". Nunca gostou de secretárias, de máquinas de escrever, computadores e era gatofóbico a escritórios.

Verdadeiramente doméstico, gostava bem mais da máquina de secar roupa e arca frigorífica, da sua brancura e sua lisura acetinada.
Era belo como só um nosso gato o pode ser.

Trouxemo-lo para casa de abandono de 3 ou 4 meses, magro, “esgatado”, sujo, osso e pele que quase nem se via uma coisa nem outra debaixo  do zoológico de parasitas.


Viveu 20 anos, segundo os livros quase 93 da nossa vida, acredito mais em gato centenário.


Viveu bem, presumo. Feliz, não sei. Castrado (hoje nunca o faria!), senhor do seu domínio, uma marquise, um cesto, os seus alimentícios pratos, a sua areia, mas sobretudo a sua independência. Era gato que se conhecia de gato e só depois os donos (seríamos?). Tinha uma predileção especial pela minha filha mais nova E, enquanto aos restantes membros da família dava a sensação de nos gostar numa espécie de "pronto, está bem" . Para mim em particular olhava-me de esguelha, de desconfiar, talvez surpreendido do meu apêndice labial piloso concorrente da finura do seu.


Sempre adorei aquele gesto olímpico da elevação do rabo, do virar-me o “dito cujo” e mandar-me dar um volta ao "bilhar grande". Não é brincadeira a personalidade de um bichano.


Vida pacífica de gato caseiro. Soalheiro muitas vezes, friorento outras, solitário de últimos anos depois da morte da sua negra companheira gata, nunca esteve doente, tirando um problema de pele nos últimos tempos e a maleita da velhice que o levaria.
Crescemos todos. Era da família. Obrigatório olhá-lo , olharmo-nos quando chegávamos a casa. Obrigatório ver o seu pelo leve e fino esvoaçar e pousar mansamente em tudo na marquise para desespero da T. Obrigatório no meu escritório observá-lo da janela e ver os seus magníficos e meigos olhos, ou o seu enroscar dorminhoco de acrobata. Assistir aos seus despertares de longas sonecas com o estirar da atlética musculatura, seguido do seu bocejo de mostrar ameaçadora dentadura. A sua "ambedura" pluridiária, envergonhava o meu único banho do dia.
Gato belo e magnífico, o MEU. Nunca o senti como meu. Nunca foi um gato lamechas, mimalho, um seguidor de dono, de procurar companhia. Nós que o procurássemos! Por vezes olhava-me interrogativo: afinal quem adotou quem? Era tanto nosso com nós dele. Nunca o foi preciso dizer: amávamo-nos.


Envelheceu e muito. Percebemos nos dois últimos anos quando se tornou mais carente, mais necessário de festas, mais miado de chamamento, mais protestativo de areia não bem limpa. No último ano, escândalo dos escândalos, tinha-se habituado a um canto do sofá e, ainda mais escandaloso, não se envergonhava de nos olhar "sem-abrigo" para um salto para o nosso colo onde ronronava até adormecer, como "ressono"e tudo. Acho que começou aqui a sua despedida.


Envelheceu em demasia. Ficou magro, osso à vista que nem o pelo comprido conseguia esconder. Começou a faltar-lhe a força nas patas traseiras. A sua artística agilidade no salto da máquina de secar para o chão já era medida a olhar de régua e esquadro, o seu salto calculado para a vergonha de não se estatelar. Depois…caía mesmo. Levantava-se com o garbo possível da humilhação e cambaleava numa arqueologia do gato que fora no gato que era agora. Na parte final da vida nem um pequeno salto de 40 cm para o sofá já conseguia. Olhava-nos envergonhado e a pedido de ajuda. Os rins começaram a falhar e os litros de água apaziguavam-no por instantes. Contra o conselho da veterinária, aceitava pequenos pedaços de fiambre, de presunto, de peixe cozido variado. Comia, mas já sem aquele gesto típico de satisfação de passar a rugosa língua pelos finos bigodes.
 
Por vezes miava com dores, mas num crescente apagar da chama, dormitava quase sempre. Sono inquieto, solto, de olho entreaberto.


Por decisão unânime, não seria abatido. Perscrutamos-lhes várias vezes o olhar, os seus já parcos movimentos e neles víamos a mensagem de "ainda não", de quer continuar, de querer ficar mais um bocadinho. Como ténue chama que se apaga por ela, assim o sentimos. Não seríamos nós a promover a corrente de ar para a apagar. Talvez quisesse um bocadinho mais para se despedir, porque não?


Nas duas últimas semanas, uma "coisa" assomou-lhe no lado direito do rosto, desfigurando-o um pouco. Quase espírito de gato naquele corpo de gato. Cada vez mais estático. Na Veterinária, inconclusivo derradeiro – velhice extrema, injeção para arrebite de dias e depois se veria.


Numa noite de 5º Feira, depois do regresso veterinário, a minha insónia de quatro da madrugada a levar-me até ele no sofá da sala. Olhou-me, olhei-o terna e demoradamente. Baixou a cabeça depois de um minuto e ficou naquele estado de dias. Percebi aquele olhar derradeiro. Queria partir. O seu já chega era um apelo ao nosso já basta. O seu olhar de  ternura-despedida foi um beijo dado de até sempre. Afaguei-o longamente na cabeça pela última vez e sussurrei-lhe baixinho em criança dó menor: "Parte, vai embora companheiro"! Leva-nos contigo que cá dentro nunca mais sairás!". 
Na tarde de Sexta, internamento na clínica para pretenso soro regenerador de prolongar vida por dias, Eu sabia que não. Era o nosso segredo.


Sábado de manhã a proposta à minha E de irmos passear à Sé do Porto, só os dois. Ela não estranhou. Por volta das 11 da manhã um telefonema da minha filha mais velha: da clínica informação que o gato tinha falecido durante a noite. Ia ser cremado. Cumpriu a sua promessa, o nosso pacto.


Não sei como o disse, nem como o consegui dizer à minha E. Vazio infindo por dentro mais forte do que qualquer tristeza deserto. Sentámo-nos na escadaria da pérgula do Nasoni na Sé. Sem palavras, olhar perdido, ausência d'alma dentro de lembranças rápidas como meteoros. Deixamos correr algumas lágrimas teimosas que se queriam cataratas do Niágara perante o olhar estúpido de foguetórios turistas.

Dos dias mais tristes da minha vida. Como "zombies" continuamos o passeio. Nada seria como dantes.

A Dor, a grande Dor viria depois. Como o apaziguamento, a transformação do espírito dele em nós.

Eterno o meu Gato. Para Sempre.













terça-feira, 10 de junho de 2014

10 de junho


  
Que raio tem o Grande Luís Vaz a ver com tudo isto?

Na Guarda com desmaio e tudo. A data, o dia, o presidente, o desmaio. Ai, se a Psicanálise fosse fácil de perceber !?  Vai para quase trinta anos que este senhor e a sua mediocridade política vai causando desmaios com os seus desmandos a muitos portugueses.
Depois, o aparato, aparelho patarata militar. Dezoito meses da minha vida na engrenagem e deu para entender muita farda que enfarda e enfarta. Para mim há-de ser sempre a "tropa".
Sobre comendas, condecorações e afins...o costume. Se até o Jorge de Sena foi ao beija-mão, beija pátria! Eduardo Lourenço, Mário de Carvalho com tudo isto ? Nada me admira. Não te esqueças do beijo, do beijo, ó Mário de Carvalho, digo, Dr. Mário de Carvalho!
Se calhar ainda vais levar com discurso desse portento cultural que é o "Barrete" - Xavier!

E de súbito lembro-me de dois textos magníficos de Mário-Henrique Leiria ( quem havia de ser?) super conhecidos que encaixam aqui como uma luva:



EDUCAÇÃO CÍVICA

Faz-se de tudo
o abano da anca
o olho sorridente
o rebolado
perante o presidente
da república
faz-se o bailado
e a pirueta
para agradar
e arejar o presidente
do conselho
lubricamente
mostra-se o joelho
aos ministros todos
lança-se
simpatia a rodos
aos generais
e aos marechais
também aos furriéis
se for preciso
afinal
o que é preciso
é ter juízo

faz-se de tudo
sempre a abanar
a anca

 (Mário-Henrique Leiria)


MINHA QUERIDA PÁTRIA

os camões
os aviões
e os gagos-coutinhos
coitadinhos

a pátria
e os mesmos
aldrabões
recém-chegados
à democracia social
era fatal

a pátria
novos camões
na governança
liderando
as mesmas
confusões
continuando
mesmo assim
as velhas tradições
de mau latim
da Eneida

enfim
sabem que mais?
pois
vou da peida

(Mário-Henrique Leiria)

  

E para aqueles que adoram estas cerimónias , um pequeno extrato, agora de Gonçalo M. Tavares ( ironia das ironias, também já beijado pela pátria)

" Espectadores.
O problema é que vocês não pensam nada.
Pedir-vos para pensar é como pedir a um pardal morto para
cantar baixinho.
Perda de tempo. "


Vou apanhar sol e ler um "poucochinho" de Camões, com pedido de desculpas que o génio não tem culpa nenhuma desta festança!



terça-feira, 6 de maio de 2014

PASOLINI, "COISAS" e...Morcegos e praxes





Depois de longo silêncio o reencontro com este blogue e de forma algo dura. Apetece-me ser duro, incisivo, violento mesmo, mais do que não seja pela palavra escrita. Quase um exorcismo, um desabafo, porque geralmente não ando distraído e só ligo a m...quando distraído estou.
Leio por alto e em diagonal algumas opiniões sobre praxes académicas. E leio estas pérolas estudantinas entre o cabotinismo puro, a indigência intelectual mais obtusa, a imbecilidade militante que passo a comentar



(...) Um dia trajei. Ai, que dia. Que saudades! O dia em que mais chorei, em que vivi tanta mas tanta emoção e que estava orgulhosa daquilo que tinha vestido. Traje para o qual tanto me esforcei. Senti-me completa. (…)”


Comentário meu :

Bela completude! Completa de nada- vazio que um traje preenche-a! Prazer aprisionado e um caso de Psicanalista precisa-se! Ou…um homem!



"A praxe ensina-nos isso: tens uma pessoa acima de ti, quer queiras quer não" 

Comentário meu :
 

Uma miséria espiritual assustadora de um aspirante a ser humano! Reparem, ele não diz “Ter uma pessoa dentro de mim e isso a praxe não nos ensina! Era preciso sensibilidade, inteligência emocional, cultura humanista. Um vazio. Uma alma que precisava de um bom divã freudiano!



“se somos cruéis, estúpidos e inúteis, foi de vós que aprendemos, pois é o vosso sangue que nos corre nas veias.”




Comentário Meu :


Bob Dylan mal assimilado, ou Bob Dylan a mais para capacete a menos! Não é não…é mais a bosta que te corre no cérebro! Isto é infantilismo puro, levado ao extremo de uma recusa clara de crescimento. Uma afirmação de não crescimento.

 E chega!
Saramago um dia recusou-se a falar de Silvio Berlusconi a quem chamou "UMA COISA". Poderia chamar o mesmo a essa "Coisa" da Madeira, entre outras cambadas de coisas!

Ontem vi "Coisas" , variadíssimas e feias coisas . Aberrações de negro vestidas, quais morcegos negros em  trocado movimento de rotação terrestre. Vi claramente visto centenas de "coisas", muitos, aos gritos ululantes, histéricos,  quase urros de ordas bárbaras aos pulos incontáveis, incontroláveis, , de uma alegria que mais o de o ser, já o era, por bacoca, histriónica, telecomandada e por isso...chorosa para quem profundamente sabe observar.


Quilos, resmas, metros quadrados de coisas vestidas de "negro" de pastinha mais ou menos fiteira se mostravam no palco do mundo a quem passava. Uma merda ( e desculpa lá ó Luís Pacheco!), que não sabendo fazer mais nada, se calhar nem sexo de merda, merda faziam. E cheirava mal, muito mal, nem que fosse à merda da naftalina.


Morcegos de cabeça para cima. Eles enfatuados de negro mais ou menos coçado, nó de gravata mais ou menos broeiro, alguns boçais, labregos, elas, muitas, de pernas feias escanzeladas, sapatos rombos, cambados, algumas de meias desmalhadas, que acentuavam o estilo de Magapatóliga, de rostos feios que o preto acentuava. O negro de tudo, o negro da coisa que só acentua o luto da própria coisa. Talvez seja isso, a incapacidade de se enlutarem para se libertaram para a vida adulta. Luto infantilizado aquele negro.

Como lutei contra isto na minha Faculdade de Letras quando tentaram reanimar esta malfadada coisa!  Como ainda rio com a lembrança das galinhas com capas negras que libertamos no átrio do Campo Alegre para gáudio de todos! Sei que perdi, perdemos todos aqueles para quem a Universidade e ser universitário era bem mais do que esta vil e apagada tristeza.


Dou por mim a pensar que talvez isto seja o seguimento da imberbidade de Lloret del Mar, Marina d'Or ou Salou, ou talvez que as empresas cervejeiras sabem bem o que querem.

Dou por mim a reconhecer a imbecilidade que segue e é apanágio de muita desta gente desde a adolescência e parece querer perpetuar-se na vida adulta de forma teimosa.

Dou por mim a pensar que formação se dá nas pastagens pouco verdejantes das Universidades para "cabrestos" destes tomarem conta de futuros e queimados pastos. Uma Universidade merdosa e medrosa que entre o encolher cobarde de ombros, a cobertura mais ou menos "embatinada" de certas práticas, quando não a anuência prazenteira, dá guarida a esta "coisa" e a estas "coisas".

Dou por mim a pensar nos "coisas" paizinhos destas "coisas" rebanhinho que orgasmeiam com os rituais de passagem dos seus rebentinhos, nem que sejam bebedeiras de cair à cova ou desflorações, ou humilhações. Pois claro ser homem, pois claro, ser mulher submissa claro...pois! Com financiamento e tudo de 300, 400 Euros para "queimar" que para isso já não há crise, nem subsídio. Ricos pais, pois! "Coisas" boas, para filhos "coisas" que isto da educação é uma "coisa" do caraças! ( desculpa lá o Cesariny!)


Dou por mim a pensar que muitas destas coisas de negro dizem coloridamente, youtubados e tudo, que a Mona Lisa foi pintada por Leonardo Di Caprio, ou que não percebem nada de religião quando é referido o Evangelho de Saramago, ou que a capital dos EUA é Londres! 


Dou por mim a pensar na Tragédia do Meco, nas praxes, em todas estas coisas que se não fossem humanas coisas nem dava para gastar inteligência nem aparo. Mas são, e psicopatias sociais típicas das muitas que vão adoentando este humano mundo.



Dou por mim quando olho esta gente de negro, nas praxes, no Meco, a pensar  num filme desse genial Piero Paolo Pasolini ( para um f.d.p e racista miserável como já ouvi ("um paneleiro do cinema"), para um jovem de negro, nada, ninguém, pois nem sabem quem foi, "Salò ou os 120 Dias de Sodoma". 

Um filme terrível, perturbador, dolorosamente belo na sua violência visual e estética, que fere pela não indiferença. Sobre o Fascismo, a ditadura, as ditaduras, a obediência, os rituais de iniciação, os Círculos de domesticação, sejam o das manias, das fezes, ou de sangue, o mais completo tratado como fazer "coisas" de seres humanos jovens, atrelando-os a uma verdade, a uma submissão, a um quero, posso e mando.


E lembro-me de toda essa tralha-inválida e impotente de negro, os dux, os doutores e por aí fora e lembro-me dos "Signori" de Pasolini, dos mestres de cerimónia, do Duque de Blangis, do Banqueiro,  Do Bispo, do Presidente de Curval, o Magistrado Durcet, ou a Senhora Castelli, ou a Senhora Maggie ou Vaccari nem sei bem porquê!


Claro...Sade, claro a asquerosidade, a impureza como potência de espírito. Mas por que raio não me sai este filme da cabeça quando penso na tragédia do Meco? Quando vejo imagens inenarráveis de praxes académicas?


Lembro-me de Saló, de Pasolini e das praxes, dos praxadores e praxados, estes últimos que aceitam num sadomasoquismo aviltante serem objetos e dejetos de outrem. 

Lembro-me e entristeço. Ou talvez não. Pai de três filhos que de forma concisa e simples acham que a praxe é uma coisa de atrasados mentais para atrasados mentais! Ah! Dois ainda são Universitários. A mais pequena acha tudo nojento.

Dou por mim a pensar que talvez isto mude, que esta barbárie disfarçada de ritual, de alegria, de normalidade, talvez um dia seja substituída pela beleza íntegra e solar de Gente, pela Poesia efetiva e intrínseca das verdadeiras coisas, por esse barro belo e vivo com que se constroem Pessoas.

Vi umas coisas feias de negro vestidas. Não me estragaram a tarde aqui nesta árvore nodosa e áspera do Jardim Botânico que me acolhe.

Um belo melro, lindo, olha-me de negro vestido. Não foge. Gostamos um do outro. Reconcilio-me com a tarde, com o belo do negro. 
Beijo-o com os olhos.