sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

RUI COSTA...Morreu um Poeta


"O HÓSPEDE DA CASA NÃO
TEM O DEVER DE SER FELIZ!"

39 anos. Encontrado morto na foz do Douro do lado da Afurada. Desaparecido desde o inicio do mês. Talvez tivesse voado da Ponte da Arrábida até ao Douro, segundo as autoridades, ou talvez tivesse vislumbrado a tal, a tal montanha:

"Vejo a montanha à minha frente pousada

Sobre a água sempre verde, e penso na inutilidade

De tudo o que ela é, e na inutilidade de estar pensando nisto..."

Talvez ou nada disto. Talvez a dor profunda do desencontrado amor revolto em si, represado na cascata d'outros.

Vejo no You Tube um pequeno filme com o poeta na apresentação de um livro. Nausea-me o falar barato, a pseudo intelectualidade da coisa, a histeria comatosa de uma aventesma, o próprio cerco-círculo em volta do Poeta.

Morreu Rui Costa, um poeta. Um poeta magnífico a que cheguei pelo Daniel Faria ( o Prémio de Poesia). Numa Sexta invernal de 2009 li-o de fascinação na Leitura Books & Living no Bom Sucesso. Ficou.
Hoje relembro um poema tremendo na sua fragilidade na sua solidão. Talvez aqui...talvez

A nuvem prateada das pessoas graves

Nem sempre se deve desconfiar das pessoas
graves, aquelas que caminham com o pescoço inclinado para baixo,
os olhos delas a tocar pela primeira vez o caminho que os pés confirmarão
depois.
Às vezes elas vêem o céu do outro lado do caminho que é o que lhes fica por baixo
dos pés e por isso do outro lado do mundo.
O outro lado do mundo das pessoas graves parece portanto um sítio longe dos pés
e mais longe ainda das mãos
que também caem nos dias em que o ar pode ser mais pesado e os ossos
se enchem de uma substância morna que não se sabe bem o que é.
Na gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, com que nos são alheias
quando as olhamos de frente rumo ao lado útil do caminho que escolhemos, essas
pessoas arrastam uma nuvem prateada que a cada passo larga uma imagem daquilo
que foram ou das pessoas que amaram.
Essas imagens podem desaparecer para sempre se forem pisadas quando caem no
chão. A gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, dessas
pessoas, é, por isso, uma subtil forma de cuidado.


Rui Costa, in A Nuvem Prateada das Pessoas Graves (Edições Quasi)

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