sexta-feira, 21 de março de 2008

RE...VISITAÇÔES (de) DA PAIXÃO II


Há coisas inacreditáveis! Eu a pensar escrever sobre um Filme e o Canal Hollywood a brindar-me com uma maravilha de um outro filme que não via vai para muitos anos e que espero saída em DVD com legendinhas em Português! È que o duplo LP, já canta desde adolescente na minha discoteca.

Tenho uma dezena de filmes relacionados com Jesus e com a Paixão-Evangelhos. Desde o mais conhecido e recente de Mel Gibson “ A Paixão de Cristo”, passando por Scorsese , acabando nessa raridade que é “O Messias “ de Roberto Rosselini, vão repousando na minha videoteca alguns filmes que vou revendo conforme a disposição e quase sempre no período da Quaresma.

Pois nesta Sexa-Feira Santa resolvi revisitar o filme sobre Jesus que mais me marcou, que continua a marcar, e dificilmente se deixará ultrapassar no meu gosto, estética, coração e mesmo como cristão, como alimento de FÉ. È um filme de uma beleza, de uma sobriedade, de um deslumbramento sem par na História do Cinema. Uma obra-prima pouco conhecida, sublevada pela grandiosidade e projecção de outros filmes desse génio italiano, chamado Pier Paolo Pasolini. Só a expensas de uma Amazon o consegui encontrar, vai para dois anos.

Mas antes de escrever levemente sobre este filme, como já referi, o Canal Hollywood, passou um filme maravilhosamente excessivo, psicadélico, louco de fantasia, flower power, mas de uma beleza ímpar, de uma procura de sentido de vida de uma geração, de uma fotografia quase computorizada, de interrogações críticas de Judas, de uma música em momentos sublime, noutros frenética. Alguns chamar-me-ão, exagerado, outros “kitsch”, outros ainda saudosista, mas que se há-de fazer: adoro este filme, talvez por isso tudo de que me podem acusar. Talvez por gostar tanto dele, recuso-me a ver “versões” teatrais, do estilo La Féria, ou outras com mais londrino style! Para mim o JESUS CHRIST SUPERSTAR é o do Norman Jewison e mais nenhum! E isto é mesmo assim, estou fóssil, ou o filme continua a ter a aura de maravilhoso quase “pagão-cristão” que quando jovem tanto me sensibilizou, como elemento de Curso de Jovens, ou a outros colegas de grupos de Renovação Carismática. Havia ali uma força renovadora de mensagem, uma liberdade de interpretação da Palavra, um Cristo mundano do Mundo, Homem na pujança de ser Homem que tem uma missão a cumprir. A cena final do filme, com a companhia de actores a abandonar o local das filmagens, com a cruz iluminada ao fundo qual farol a lembrar-nos que no seu sacríficio ele será sempre porto e ancoradouro dos que a ele recorrem, é soberba. Houve quem chamasse a Jesus Christ Superstar, uma das piores ideias de humanidade conhecidas na história do espectáculo. Muitas destas “péssimas” humanidades e teríamos mais humanidade!

Mas o objectivo postagem é então a seguinte: Qual o filme sobre Jesus que levaria para uma ilha deserta, (filme disse bem, porque Ele em mim iria sempre!) ? “PAIXÃO SEGUNDO S. MATEUS” de Pier Paolo Pasolini.


Precisamente, um filme que é tudo o contrário do que escrevi sobre Jesus Christ Superstar. Um filme a Preto e Branco de uma pureza que só po P/B consegue ter, de um P/B, que concentra o olhar nos rostos, nas cenas, nos momentos, na essência primeira da fotografia-a persistência do olhar! Um filme completamente despojado, despido, nú, de efeitos especiais, de adereços, de guarda-roupa, de gestualidade desnecessária, de diálogos não essenciais. Um filme grandioso na sua pobreza, tal como a pobreza evangélica por Jesus pregada. Com actores amadores-locais, com baixo orçamento, Pasolini compõe uma visão de um Cristo, quase “camponês”, simples, homem como todos nós, de uma humanidade fraterna, consciente da sua tarefa, mas colérico com as injustiças, os desagravos, a estupidez e a pobreza espiritual. Um Cristo, desculpem os puristas, pouco catequético, pouco emoldurado em auréolas de santidade, e mais terreno, mais Homem entre os Homens. Não é um filme fácil, porque recusa uma imagem delicodoce, etérea de Jesus. Cristo Evangélico puro e duro! Cristo rugoso, angular, quase de ícone. Um Cristo belíssimo, naturalista e solitário na sua missão de sacríficio pela fraternidade universal. Depois, um Cristo e um filme de planos, alguns longos, de rostos com estória, de esculturas de luz. Um filme onde como nunca a música de Bach (Paixões), Mozart, Webern, Prokoviev, ou mesmo espirituais negros, se cola às imagens, quase como outra paixão. Um Cristo único na História do Cinema, este Cristo de Pasolini.

Fez-me bem revê-lo . E Pasolini era um génio. Algumas imagens deste filme são imperdíveis , duradouras na memória do cinema. A candura do rosto inicial de Maria grávida e a dúvida no rosto de José, são cinema de eternidade.

2 comentários:

Raul Martins disse...

"... e teríamos mais humanidade!" E como dela estamos a precisar!

Uma Páscoa plena para ti e para os teus. Um abraço.

Anônimo disse...

O que levaria para uma ilha deserta era o livro "A Desilusão de Deus" de Richard Dawkins. Altamente recomendado!