Cumpri com lealdade e mérito a
tarefa que me foi incumbida. De pé e durante duas horas sonegadas à minha vida.
Cumpri, mas não me peçam mais, porque para este peditório de exames já dei, ou
mais concretamente nunca contribui.
Uma meritocracia, uma “examocracia”,
ou “testomania” sem freio, de vento em popa, a toda a brisa, convencendo muito
parolo, muito pedante pouco pensante que assim sim, que isto é rigor, controlo,
ou mais merdosamente “menagement” do sistema, da qualidade das aprendizagens.
Olho-os longamente enquanto
curvados sobre o exame: uns a leste do paraíso do texto de Saramago, outros
mais entranhados no cruzadez, na completação, na escrita de frases mais ou
menos alinhadas. Olho-os e diversos
extratos de Diane Ravitch no seu “ The Death and Life of The Great american
School” assomam-me ao espírito. Está lá tudo, ou quase tudo sobre o contributo
dos exames para a falência do bom sistema público de educação americano.
A falência de um sistema público
de ensino entre outras medidas, através de uma examocracia que ronda a neurose,
a serventia dos alunos “carne para canhão” e de muita ingenuidade docente, para
justificar o enterro da escola publica vai para tempos anunciado por sucessivos
coveiros, mas agora às pazadas e de “bulldozer”
conduzido por trolhas de baixo calibre.
Um plano claro, de desprestígio
da escola pública, camuflado em palavras ocas e tecnocratas de rigor, mérito, quebra
de assimetrias, quando às escâncaras está o beneplácito, o dar de mão beijada,
a adoração imoderada ao ensino privado. A selvajaria do livre-mercado no seu
apogeu, porque nem livre, nem mercado. Assim, mostrar à saciedade e sociedade
que no privado sim, a competência, as médias, os bons métodos e os bons
endinheirados, o sucesso, e talvez até uns conhecimentos antecipados, enquanto
no público, a ralé, o piorio, os cancros do ensino.
Sabemos isso, sabem isso os
cadáveres que nos governam, sabem os nítidos nulos picaretas falantes que nos
enxameiam casa e paciência em horários nobres, sabem alguns colegas que adorando
o público, e cheios de “vícios públicos”
confiam no fundo do coração nas “virtudes privadas”. Sabe muita gente. Mas no
fundo, no fundo…
Temos a consciência que nem todos
tiraram licenciaturas no “dia do Senhor”, não senhor, muitos políticos
tiraram-nas com justo mérito, com muito estudo, “marradores” profissionais, ou
explicandos “gold”, e com excelentes notas em exame e depois transformaram-se
naquilo que sabemos: acéfalos, quadrados culturais e humanos, números de
subtração à felicidade dos outros.
Olho-os longamente enquanto “vigio”
como vigilante de exames. Adivinho os soberbos e robustos negócios que eles
escondem. As prateleiras de livrarias e supermercados com livros de preparação
para, os centros de explicações quase a quase terem de alugar bancos de correr,
alguns colegas explicantes às escusas e às escuras, a fugirem a recibos que
devem ser da “cor de burro quando foge” para amealharem uns cobres para umas
férias tão kitsch libertadoras em qualquer Cancun ou Punta Cana, já que não
tiveram oportunidade na “broa” (digo lua) de mel.
Olho-os e…estes não, coitados. Mas podia estar a olhar
para outros bem explicados, bem treinados, bem formatados em previsões, estatísticas,
repetição-exaustão, bem encaminhados para os exames, bem “preparados” para o
tal e necessário rigor! A estes, numa nesga de porta de saída, gostava fazer
duas ou três simples questões de cultura geral e lá teríamos a ronceirice do
costume: Que a capital dos EUA é Londres, que A Mona Lisa foi pintada por
Leonardo di Caprio, que Cervantes foi um Caçador, “and so on”…claro, claro, o nervoso das
questões! Claro que me responderiam que nem a Merkel sabe onde mora, bora lá!
Na minha vigilância, olho-os e
esboço um ligeiro sorriso ( interno, porque o Professor em vigilância não
sorri!). A Imprensa a rejubilar! Nada de criar notícias, não: temos á tripa
forra futebol e exames. O Fado já foi patrimoniado, Fátima Já passou, e o Vinho
verde sofre forte concorrência do vinho californiano e da Austrália.
Nos próximos tempos, uma
avalanche : Mais exames e depois mais exames a seguir a exames, depois os
resultados , os pulinhos gritados e o choro de alegria ou tristeza, depois
ainda a análise dos resultados a que seguirão outras análises e depois as
análises das análises e os comentários analisados das análises feitas, isto em
jornais, venerandos programas que não da manhã e referenciais e reverenciais
blogues.
Por fim a seleção natural das
espécies: os Rankings com os resultados do costume, sendo que aquelas que
continuavam com “maus costumes”, lá continuarão, isto se não houver baba de contentamento,
champanhe e foguetes se passarem do lugar 400, para o 375, ou do 287 para o
285! Ou seja, as portas da amargura lá continuarão abertas ao desânimo, à
conformação, ao pingue-pongue das culpas: dos pais, dos professores, dos
alunos, do sistema, do nem percebermos porquê, do não querermos perceber porquê
e ter raiva de quem quer perceber porquê! As outras, as tais “Boas – Zonas” ,
essas rejubilam, agradecem aos deuses, embora tenham quase todas nomes
santificados, e por isso em júbilo, quase uma sinfonia em “Opus”, “xi”,
enganei-me…queria dizer “Ops”, esperam o
aumento da lista de espera, os saquinhos-cama de cheguei primeiro, os
brilhantes e brilhantinas que abundam neste torreão e claro…o “venha a nós o
nosso euro” …ups, enganei-me outra vez, queria dizer reino.
Depois, depois, mais exames, mais
disciplinas com exame para aprenderem a ser homens, para ajudar os professores
no seu trabalho, mesmo que se desconfie deles como do juramento de Pedro ao
Mestre, depois ainda e talvez a inevitabilidade do encerramento de algumas
escolas “carro-vassouras” dos Rankings, depois ainda o desemprego, mais desemprego
e depois ainda e talvez ao docente o “pagamento conforme a produção” e, alguns,
muitos colegas a dizerem que não, que nunca apoiaram os exames. Como conheço
esta classe! Talvez aí e aí só, mais uns
milhares no Terreiro do Paço, mas nunca de cem mil para cima, porque seremos
poucos, muito poucos.
Toca, saem como pardais.
Inconscientes de tudo, apenas conscientes que “este já foi”. Cumpro a minha
função de funcionário cansado na entrega do material no Secretariado de Exames.
Chego a casa e apesar da minha aguda tristeza consigo sorrir. Sem saber porquê,
vem ter comigo companheira de viagens e tristezas, Wislawa Szymborska com o seu
“ Dois Macacos de Brueghel”
Sonhei assim com o meu exame do fim do liceu:
Amarrados por correntes, dois macacos estão sentados à janela,
Voa o céu, banha-se o mar
Para além dela
É a oral da história humana.
Eu gaguejo, vou-me atolando.
Um macaco, fixo em mim, irónico vai escutando,
o outro quase dormita —
e no silêncio que se segue à questão posta,
Este sussurra-me em segredo uma resposta,
Eu gaguejo, vou-me atolando.
Um macaco, fixo em mim, irónico vai escutando,
o outro quase dormita —
e no silêncio que se segue à questão posta,
Este sussurra-me em segredo uma resposta,
No som baixo da sua trela tilintando
( tradução de Júlio Sousa Gomes)