segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Abbas, KIAROSTAMI ...."Five"




Vejo Abbas Kiarostami, alguns documentários de Kiarostami. Conhecia pouco desta faceta do realizador, conhecendo apenas dois dos seus filmes, “Onde é a Casa do Amigo?” e “ O Sabor da Cereja”, este último belíssimo.

Kiarostami e os seus documentários tão badalados em determinados círculos intelectuais e pretensamente cinéfilos. Apreciadíssimos por Llansolianos, principalmente o “Five” a fazer fé no Espaço Llansol em que até lhe dedicaram um opúsculo com a ligação da escrita de Llansol ao "Five"- mas este espaço e algumas dos seus conteúdos está a tornar-se sufocante com associações espúrias, muitas vezes a torto e a direito entre a escrita da autora dos Pregos da Erva e seja o que for desde que fractal, “falcão de punho”, ou pretensamente minimalista. Não entro na cegueira do endeusamento, nunca, ( por exemplo, considero Gabriela Llansol uma má tradutora de poetas!) embora defenda que existe claramente uma Literatura portuguesa antes de Maria Gabriela Llansol e Gonçalo M Tavares e pós estes dois autores-opiniões!

Assim, vejo “Five Long Takes dedicated to Yasujiro Ozu” . Vejo com toda a atenção, com toda a disponibilidade que o espírito me concede, sem preconceitos o documentário de 74 minutos.

Apesar de ler coisas como esta de alguém profundamente fascinado  “Five is a richly poetic, radically minimalist film featuring five extended sequences which are more than just pretty pictures or documentary record - carefully constructed and manipulated, with a soundtrack composed as a symphony of natural noise, they comprise an abstract narrative arc, which moves evocatively from solitude to community, motion to rest, and near silence to sound and song. This film is a sublimely beautiful response to the natural world, profoundly contemplative and serene, giving audiences the opportunity to embrace a different cinematic experience”, acabo de ver e continuo do lado de cá que nunca consegui o salto para um lado onde o cinema se entranha mesmo estranhando, que talvez seja esse lado de lá.

O que vi? Cinema? Uma hora e pouco de rara poesia visual captada por uma simples e talvez ainda primária câmara digital ? Claramente não.


Mas o que pressenti? Uma fraude? Um monumental exercício de snobismo visual do realizador iraniano, para deslumbramento menino de escola artística de artes visuais? Não sei! Pressinto escondido qualquer artifício que subjaz a cada longo plano, ao tema escolhido, ao próprio som! Não poucas vezes durante o filme vi associações com aqueles momentos ridículos de música ( marzinho, patinhos, sapinhos, e uivozinhos e afins) e imagens para relaxar, quase daquele “zentontismo” que muita gente vai perseguindo sem saber sequer o que é ser tonto ou a filosofia zen.

Ficou mais rico o cinema com “Five” ? Vi alguma forma superior de expressão plástica que comovesse pela fantasia, pela capacidade simbólica ou metafórica da imagem? Vi imagens inolvidáveis de beleza plástica que marcassem como referência (veja-se algumas da Agnes Varda!) ? Nem de longe nem de perto.

No fim, e não sei a que propósito e a que raio de visitação, lembrei-me de algo que li não sei se em Luis Pacheco, se em Cesariny em que numa monumental boutade, se afirmava que em alguns poemas de Pessoa, existia aquilo que se podia apelidar de “merda filtrada”, enquanto nos de Pascoaes era a “merda pura”. Rio-me ainda agora, não sei se pela boutade, se pelo de alguma verdade nela inserta. Acho que até o Pessoa se riria dela! 

O sorriso desaparece-me quando um determinado capítulo de “A Civilização do Espectáculo” de Vargas Llosa , ele aborda esta impostura de alguns intelectuais. Leia-se: 
“ Alguns anos, sem que eu me apercebesse bem a princípio quando visitava exposições, assistia a alguns espetáculos, via certos filmes, obras de teatro ou a incómoda sensação de que estavam a fazer troça de mim e que não tinha como me defender perante uma conspiração arrasadora e subtil para me fazer sentir um inculto ou

um estúpido. Por tudo isso, foi-se apoderando de mim uma pergunta inquietante: porque é que a cultura dentro da qual nos movemos se foi banalizando até se transformar em muitos casos num pálido arremedo do que os nossos pais e avós entendiam por essa palavra? (…)

Até que, de repente, comecei a sentir que muitos artistas, pensadores e escritores contemporâneos estavam a gozar comigo. E que não era um facto isolado, casual e transitório, mas sim um verdadeiro processo do qual pareciam ser cúmplices, além de certos criadores, os seus críticos, editores, galeristas, produtores e um público de papalvos que aqueles manipulavam a seu bel-prazer, levando-os a engolir gato por lebre, por razões crematísticas e às vezes por puro snobismo. O pior é que talvez este fenómeno não tenha remédio, porque já faz parte de uma maneira de ser, de viver, de fantasiar e de acreditar da nossa época, e aquilo de que tenho saudades seja pó e cinza sem reconstituição possível. Mas também poderá ser, dado que nada está quieto no mundo em que vivemos, que este fenómeno, a civilização do espetáculo, pereça sem pena nem glória, por obra da sua própria insignificância e que haja outra coisa a substituí-lo, talvez melhor, talvez pior, na sociedade do futuro.

E também creio que uma das consequências que a corrupção da vida cultural poderá ter graças à frivolidade, será os gigantes, a longo prazo, revelarem ter pés de barro e perderem o seu protagonismo e poder, por ter esbanjado com tanta ligeireza a arma secreta que fez deles o que chegaram a ser, essa delicada matéria que dá sentido, conteúdo e uma ordem ao que chamamos civilização. Felizmente, a História não é algo de fatídico, mas sim uma página em branco onde com o nosso próprio punho — as nossas decisões e omissões — escreveremos o futuro. Isso é bom, pois significa que estamos sempre a tempo de retificar".


Como não estar de acordo com ele? Quem não passeia nos lobbys das galerias, dos prostíbulos do cinema, nas capelinhas das editoras, sabe muito bem como se fabrica um bolo jeitoso sem grandes ingredientes, excetuando os necessários para se produzir e perpetuar a mediocridade dos bolos para os quais se preparou antes aparelhos digestivos. Come-se, digere-se, liquefaz-se numa diarreia mental depois de tanto acreditar que aquilo é bom, á força de nos forçarem a acreditar que aquilo é bom. E se não vemos as maravilhas expostas, ou escondidas é porque somos burros, não percebemos nada da “estruturalista mnemosis da coisa”, dessa complexidade aplastante e grandiosa da arte, pequenos que somos.


Não sei. Esta sensação estranha que muito que vejo, que ouço, que leio, é “dèjá vu”, já trigo moído noutra eira, esta visão de determinados intelectuais, ou artistas que por o serem são inatacáveis, ou que merecem uma reverência canina, numa espécies de gurus que destilam talento, criatividade e imaginação a rodos, nem que o seja pelo dito “establishment lobbysomem” quando muitas vezes é aguadilha da rotina, do rastro de nome, nada mais. É assim nesta sociedade: transformar bosta em perfume de grande calibre é fácil, barato e dá milhões.

Isto hoje está mais para margarinas artísticas do que pacotes de Brillo, escorregadias que vamos sentindo algumas personalidades do mundo cultural e artístico. Cá na tribo, fartos que estamos de detergentes a lavar cada vez mais branco, regressamos muitas vezes à pureza e trabalheira do sabão-macaco.



Assim , nada fascinado com “Five” de Kiarostami. Pode enlevar jovens adolescentes ou já ligeiramente afastados de o serem, professores universitários e sebenteiros, adeptos do “soundsilence”, ou olhos cansados do movimento depois de um dia árduo em transporte público, mas considerar isto uma obra de arte…alto lá e para o plano!



Ozu ficou bem servido com esta inspiração ( lá está o pedantismo…Five inspira-se em Ozu, como? Venham lá das mais arrevesadas e filosóficas explicações para me convencerem), ou sinto que se evocou o nome de deus em vão?

Não sei, juro que não sei! Talvez Ozu se visse estes “Five” tivesse sussurrado “ Sanma no aji”…talvez!

Uma coisa, não tenho dúvidas: OZU é, foi um génio do cinema, Abbas Kiraostami é um bom realizador. Só isso. 

Para fazer frente à deceção vou ver "Tokyo monogatari", também só isso e por isso.