terça-feira, 19 de junho de 2012

EXAMES...








Cumpri com lealdade e mérito a tarefa que me foi incumbida. De pé e durante duas horas sonegadas à minha vida. Cumpri, mas não me peçam mais, porque para este peditório de exames já dei, ou mais concretamente nunca contribui.

Uma meritocracia, uma “examocracia”, ou “testomania” sem freio, de vento em popa, a toda a brisa, convencendo muito parolo, muito pedante pouco pensante que assim sim, que isto é rigor, controlo, ou mais merdosamente “menagement” do sistema, da qualidade das aprendizagens.


Olho-os longamente enquanto curvados sobre o exame: uns a leste do paraíso do texto de Saramago, outros mais entranhados no cruzadez, na completação, na escrita de frases mais ou menos alinhadas.  Olho-os e diversos extratos de Diane Ravitch no seu “ The Death and Life of The Great american School” assomam-me ao espírito. Está lá tudo, ou quase tudo sobre o contributo dos exames para a falência do bom sistema público de educação americano.

A falência de um sistema público de ensino entre outras medidas, através de uma examocracia que ronda a neurose, a serventia dos alunos “carne para canhão” e de muita ingenuidade docente, para justificar o enterro da escola publica vai para tempos anunciado por sucessivos coveiros, mas agora às pazadas e  de “bulldozer”  conduzido por trolhas de baixo calibre.


Um plano claro, de desprestígio da escola pública, camuflado em palavras ocas e tecnocratas de rigor, mérito, quebra de assimetrias, quando às escâncaras está o beneplácito, o dar de mão beijada, a adoração imoderada ao ensino privado. A selvajaria do livre-mercado no seu apogeu, porque nem livre, nem mercado. Assim, mostrar à saciedade e sociedade que no privado sim, a competência, as médias, os bons métodos e os bons endinheirados, o sucesso, e talvez até uns conhecimentos antecipados, enquanto no público, a ralé, o piorio, os cancros do ensino.


Sabemos isso, sabem isso os cadáveres que nos governam, sabem os nítidos nulos picaretas falantes que nos enxameiam casa e paciência em horários nobres, sabem alguns colegas que adorando o público,  e cheios de “vícios públicos” confiam no fundo do coração nas “virtudes privadas”. Sabe muita gente. Mas no fundo, no fundo…


Temos a consciência que nem todos tiraram licenciaturas no “dia do Senhor”, não senhor, muitos políticos tiraram-nas com justo mérito, com muito estudo, “marradores” profissionais, ou explicandos “gold”, e com excelentes notas em exame e depois transformaram-se naquilo que sabemos: acéfalos, quadrados culturais e humanos, números de subtração à felicidade dos outros.


Olho-os longamente enquanto “vigio” como vigilante de exames. Adivinho os soberbos e robustos negócios que eles escondem. As prateleiras de livrarias e supermercados com livros de preparação para, os centros de explicações quase a quase terem de alugar bancos de correr, alguns colegas explicantes às escusas e às escuras, a fugirem a recibos que devem ser da “cor de burro quando foge” para amealharem uns cobres para umas férias tão kitsch libertadoras em qualquer Cancun ou Punta Cana, já que não tiveram oportunidade na “broa” (digo lua) de mel.


Olho-os  e…estes não, coitados. Mas podia estar a olhar para outros bem explicados, bem treinados, bem formatados em previsões, estatísticas, repetição-exaustão, bem encaminhados para os exames, bem “preparados” para o tal e necessário rigor! A estes, numa nesga de porta de saída, gostava fazer duas ou três simples questões de cultura geral e lá teríamos a ronceirice do costume: Que a capital dos EUA é Londres, que A Mona Lisa foi pintada por Leonardo di Caprio, que Cervantes foi um Caçador,  “and so on”…claro, claro, o nervoso das questões! Claro que me responderiam que nem a Merkel sabe onde mora, bora lá!


Na minha vigilância, olho-os e esboço um ligeiro sorriso ( interno, porque o Professor em vigilância não sorri!). A Imprensa a rejubilar! Nada de criar notícias, não: temos á tripa forra futebol e exames. O Fado já foi patrimoniado, Fátima Já passou, e o Vinho verde sofre forte concorrência do vinho californiano e da Austrália.
Nos próximos tempos, uma avalanche : Mais exames e depois mais exames a seguir a exames, depois os resultados , os pulinhos gritados e o choro de alegria ou tristeza, depois ainda a análise dos resultados a que seguirão outras análises e depois as análises das análises e os comentários analisados das análises feitas, isto em jornais, venerandos programas que não da manhã e referenciais e reverenciais blogues.


Por fim a seleção natural das espécies: os Rankings com os resultados do costume, sendo que aquelas que continuavam com “maus costumes”, lá continuarão, isto se não houver baba de contentamento, champanhe e foguetes se passarem do lugar 400, para o 375, ou do 287 para o 285! Ou seja, as portas da amargura lá continuarão abertas ao desânimo, à conformação, ao pingue-pongue das culpas: dos pais, dos professores, dos alunos, do sistema, do nem percebermos porquê, do não querermos perceber porquê e ter raiva de quem quer perceber porquê! As outras, as tais “Boas – Zonas” , essas rejubilam, agradecem aos deuses, embora tenham quase todas nomes santificados, e por isso em júbilo, quase uma sinfonia em “Opus”, “xi”, enganei-me…queria dizer “Ops”, esperam  o aumento da lista de espera, os saquinhos-cama de cheguei primeiro, os brilhantes e brilhantinas que abundam neste torreão e claro…o “venha a nós o nosso euro” …ups, enganei-me outra vez, queria dizer reino.


Depois, depois, mais exames, mais disciplinas com exame para aprenderem a ser homens, para ajudar os professores no seu trabalho, mesmo que se desconfie deles como do juramento de Pedro ao Mestre, depois ainda e talvez a inevitabilidade do encerramento de algumas escolas “carro-vassouras” dos Rankings, depois ainda o desemprego, mais desemprego e depois ainda e talvez ao docente o “pagamento conforme a produção” e, alguns, muitos colegas a dizerem que não, que nunca apoiaram os exames. Como conheço esta classe! Talvez aí e aí só,  mais uns milhares no Terreiro do Paço, mas nunca de cem mil para cima, porque seremos poucos, muito poucos.


Toca, saem como pardais. Inconscientes de tudo, apenas conscientes que “este já foi”. Cumpro a minha função de funcionário cansado na entrega do material no Secretariado de Exames. Chego a casa e apesar da minha aguda tristeza consigo sorrir. Sem saber porquê, vem ter comigo companheira de viagens e tristezas, Wislawa Szymborska com o seu “ Dois Macacos de Brueghel”

Sonhei assim com o meu exame do fim do liceu:
Amarrados por correntes, dois macacos estão sentados à janela,
Voa o céu, banha-se o mar
Para além dela
É a oral da história humana.
Eu gaguejo, vou-me atolando.

Um macaco, fixo em mim, irónico vai escutando,
o outro quase dormita —
e no silêncio que se segue à questão posta,
Este sussurra-me em segredo uma resposta,
No som baixo da sua trela tilintando

( tradução de  Júlio Sousa Gomes)