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sábado, 24 de dezembro de 2016

NATAL 2016

Para a T...



Por um Natal que já o foi e não ó é. Um Natal recusado vai para anos, apesar do aparafusar das inevitáveis máscaras natalícias. Um Natal sim, profundo, gravado como raízes de sequoia, quando a infância era ser menino de acreditar. Hoje, não mais. Apenas o acreditar que sim pelo menos na nostalgia da memória. Nem ele nasce, mas a gente janta. Depois, os embrulhos, as prendas, o imenso papel que de pouco higiénico perde para o outro. Isto que se tornou o Natal, sorrisos amarelados que nenhum dentista consegue disfarçar, frases feitas que nenhum detergente apaga, mails untosos, ridículos, formatados de antecedência só para acharmos que sim, que nos lembramos, que existimos pelo existir dos outros.

E Ele a rir-se lá nas palhinhas deitado…sabendo a que cheirava a bosta do burrinho e vaquinha do curral onde nasceu. 
























sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Envelheço com a tarde

Cai mansa, etérea e fria a tarde.

Cinco horas da tarde. Os senhores do Jardim olham-me com espanto ou anseio de qualquer alimento.


Está frio, aconchego o cachecol, levanto as abas do sobretudo, coloco as mãos no bolso. Distendo as pernas.


Olho de olhar alongado para um rio profundo, lagunar, que me observa.

Estou só, completamente só. Estou bem.

Ouço o arfar compassado da minha respiração em dó menor ao som do Stabat Mater de Pergolesi, cantado por angélica voz de contratenor.


Começa a ser comum perscrutar o silêncio que habita em mim, ou por problema de habitação, o que vai sobrando de mim no silêncio.


Estou só, profundamente só. Pleno, comovido a leste de mim, que para minha perdição – salvação só me encontro na bússola do cá dentro.


Um frágil ramo de tília desnudada observa-me. Sorrio-lhe e a brisa abana-a como se treme.


Esvai-se a tarde em horizontes laranja. As primeiras luzes-candeias tremeluzem do lado de lá. Convoco-as para o meu lado de cá, companheiras de entardecimento.


Estou só. Profundamente só. Envelheço com a tarde e estou bem.


Preciso destes amplexos de serenidade para ser feliz.


Despeço-me deste escuro verde-musgo com um sorriso aos bancos vermelhos. Aceno-lhes por dentro, e , no seu vazio de ninguém, vislumbro promessas pacificadoras de outros entardeceres.


Com o fim da tarde envelheço e estou feliz. Talvez Ele andasse por ali, de certeza que andou por ali, hálito profundo de vida…


Talvez. Resolvi fixá-lo com a minha Pelikan no meu moleskine .


Caminho arborizado e noturno entre as áleas. Uma nesga de lua espreita-me. Algumas raízes de mim ali ficam.


Envelheci com a tarde.

Não me importo, gostamos.






sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

MOZART...SEMPRE NOVO




NO MEU ENVELHECER

Sei que estou a envelhecer.

Nada de surpreendente, nada que o bilhete de identidade não confirme, nada que as pernas não me vão comunicando ao íntimo. Ao longo da carreira, o sentar era pecado, mesmo para escrever o sumário,agora... as pernas a pedir meças a qualquer coisa que não sei definir, mas que deve estar no intervalo entre o cansaço e a vontade da desistência de uma verticalidade esquelética aprumada que sempre cultivei. Assim, por vezes numa ou outra aula ao terceiro ou quarto tempo, a vontade de me sentar, a cedência ao peso do “cu-cadeiral” que sempre recusei, e eis-me rendido aos prazeres de uma mísera e desengonçada cadeira, atrás de uma não menos formatada e feia mesa, que há quem lhe chame secretária, com que a minha pasta, os meus haveres docentes, têm de partilhar ralações com computador, monitor cabos e afins.


Sei que estou a envelhecer, porque o que vinte e tal anos atrás ,nos corredores de uma escola, era música para os meus ouvidos, gritos de liberdade livre, de soltar amarras, depois de “secas” desérticas de algumas aulas, agora são gritos histéricos de “Jane” assustadas com coisa nenhuma , e grunhidos sem mãos batidas no peito de encantadores “tarzans” adolescentes.


Sei que estou a envelhecer, porque o burburinho saltitante e catártico na sala de Professores nos “grandes intervalos”, me irrita como poucos, porque nem sequer se consegue perceber o valor terapêutico e calmante de uma música ambiente numa sala como a referida ( rio-me, porque vai para um bons anos, uma colega que tinha tanto peso de riquinha como leveza de inteligência,pediu para desligar num dos meus primeiros portáteis, o meu Gould-Bach, porque a estava a incomodar no seu riso completamente desconexo, parvo e histérico- paz à sua inteligência e cultura!).


Sei que estou a envelhecer, porque nas reuniões, a um trabalho produtivo, aos assuntos importantes, sobrepõem-se muitas vezes o “cochicho”, o falabaratar para o lado, o “orelhar-a-orelhar”, o ciciar inconsequente, que muitas vezes nada tem a ver com a reunião e que causa um burburinho, uma ruído de fundo insuportável, um “bruá” característico que desconcentra e desconcerta quem dirige a reunião, ou quem quer que ela seja produtiva. Doa a quem doer, mas ao fim de quase trinta anos de carreira, continuo entrincheirado na premissa: não sabemos reunir, não sabemos agrupar, desperdiçamos tempo e energias em horas e minutos infinitos de “conversa fiada” , ou de verbalização lateral que se sobrepõe ao essencial. Juro que qualquer dia, adopto a estratégia moderna de reuniões, a de patamares, de andares separados, desde que me facultem o elevador (fina ironia para quem a souber descodificar)!


Sei que estou a envelhecer, porque estou a perder energias de pilha recentemente carregada, para aproveitar ao máximo a bateria da que se vai gastando. Assim com a cultura, principalmente com a música dita clássica. Já não aquela vontade louca das novidades, da pesquisa gulosa das “Diapason”, das “Scherzo”, da “Amadeus”, da “Goldberg”, da “Classical Music”, ou dos calhamaços ”Dictionnaire”, ou “Guide” da Robert Laffont, ou dos ainda mais grossos calhamaços “ Penguin Guide...” do Ivan March e do Robert Layton, com que fui construindo a minha discoteca e muitas vezes as versões variadas de uma mesma obra.


Sei que estou a envelhecer, porque agora não me perco. Quase automático, como velho companheiro de afago, de “já não te via há uns tempos”, sei a estante, o lugar dela, a inclinação geométrica do encosto das lombadas, o sorriso maroto daquela estreita faixa que me indica o(s) eleito(s) no meio da multidão. Estou a envelhecer, dado adquirido, sem dramas, sem “crises de...”. Não sei se é bom ou mau, é simplesmente. Fases intensas de Re Maior, (re)audição, de (re) leitura, de (re)olhar, de rodar as mão em volta de mim e abraçar-me emocionado pelo que ela a vida me tem dado. Também, nunca lhe pedi muito, é verdade.


Sei que estou a envelhecer e por vezes vontade profunda de regressar a Mozart, a um Mozart , a uma determinada interpretação de Mozart que fez vibrar as cordas do instrumento sensível de Deus que vou sendo. Assim uma tarde em legítima defesa com Mozart, o Requiem de Mozart que tenho em “n” interpretações de Bohm a Karajan, passaando por Harnoncourt. Mas há uma, uma só, que vai para anos me consegue emocionar até às lágrimas, tal como o conseguiu da primeira vez que a ouvi. A tal, que no meio da estante "mozartiana”, me pisca o olho maroto de velha conhecida. Um vinil, para sistema quadrifónico de som, comprado na discoteca Orfeu (Boavista) nos idos anos 80 com um dos meus primeiros ordenados de professor.Esta versão do Requiem KV626 com vozes brancas do Tölzer Knabenchor (tenho alguns discos belíssimos com estes angélicos miúdos), com solistas crianças na voz de soprano ( Hans Buchhierl) e contra-tenor ( Mario Krämer ) que dão uma eteriadade às respectivas áreas como raramente ouvi, um coro magnífico, uma orquestra com “originalinstrumenten) em sintonia perfeita com o espirito da obra e sobretudo, uma paixão, uma entrega interpretativa que comove, que transporta, é aquele que guardo no arca-tesouro do lado bom do coração. Não me interessa discutir Süssmayr, a tessitura das vozes infantis, o “rubbato” ou “leggato” e coisas afins de eruditos e desafinados críticos da direcção de Schmidt-Gaden, porque é o “meu” Requiem, o meu Mozart eterno, venham as versões que vierem.


Sei que estou a envelhecer. Mozart não! Eterno até à eternidade. Um jovem que me acompanha fiel amigo desde o fim da adolescência.


Sei que estou a envelhecer, porque nem sei muito bem porque carga d’água estou aqui a partilhar isto convosco.




Um pequenino extracto do "meu" Mozart - vinil , com "estalinhos e tudo" sem tratamento de software. Não , não é o Lacrimosa.