quinta-feira, 19 de novembro de 2009

É Bom Ver os Filhos Crescer...e Jeff Buckley


É bom ver os filhos crescer. É bom observar serenamente as suas opções, intervindo só o necessário como “Leal Conselheiro”. É bom verificar como os meus filhos não são atraídos para as roupas de marca, as plasticidades do fast food, a pimbalhada ou o histerismo histriónico de determinados gostos musicais, a literatura light , digest e purgante que inunda os escaparates, as cretinices televisivas com que os querem imbecilizar.


É bom ter uma filha M no seu início “bolonhês” linguístico-literário a adorar a Desobediência Civil e o Walden de Thoreau, ou a Poesia de Walt Whitman, passando pela paixão de alguns poetas brasileiros. É bom ter um F secundário primitivo de Humanidades, a escolher como obra de Plano de Leitura em Literatura Portuguesa, o “Pelo Sonho é que Vamos” do Sebastião da Gama, ou no Contrato de Leitura em Português, “O Pouco e o Muito-Crónica Urbana” da Irene Lisboa, ou ser um “Hitchcockiano” sem remissão, ou devorar com o olhar os Pretos e Brancos de Bresson, ou Brassai. É bom ter uma “Trancinhas” que já vai por si só desvendando os caminhos deliciosos da Sophia, da Matilde, da Zulaida do José Fanha, que detesta “desenhos animados estúpidos”, que quando for grande quer ter muitos animais para os tratar.


É bom ter os meus filhos e aprender com eles. Todos os dias. Que me ajudam a limpar o “sarro” rotineiro e a tornar menos inclinado o meu suave declive. Adoro aprender com eles e espiá-los, olhá-los com o olho direito disfarçado de distracção, enquanto o esquerdo perscruta os seus rostos, gostos, sentimentos.


Tarefa espinhosa e difícil a de Pai. Detective privado na verdadeira acepção da palavra! Assim, gosto de lhes surripiar disco comprado, download de nova paixão, artigo de Blitz. É bom ter filhos e aprender com eles e descobrir através deles novas paixões musicais por exemplo.


Conhecia a música e as canções do pai, um enorme músico, uma excelsa e estranha voz, umas canções muito belas e crepusculares do “Goodbye e Hello”, do “Grettings from LA”, ou do “Blue Afternoon”. – Uma overdose matou-o aos 28 anos. Sabia que tinha tido um filho de um primeiro casamento, e tinha ouvido esparsamente uma ou outra canção desse filho, Jeff.


Jeff Buckley, que freudianamente sobe “matar” o pai, para sem o renegar, (por vezes há tanto Tim em Jeff, tanto!) construir o seu caminho, a sua única ,curta e extraordinária carreira. Um dia, um DVD, de Jeff ao vivo em Chicago. Estranhei, estranhamos, depois um, dois, três visionamentos e entranhamos. Estávamos na presença de alguém que era a musica viva em si, um trovador do dentro para fora, um músico da recusa da encenação, do pastiche, da hipocrisia artística.


Cantava de uma forma incrível, quase enrolado na dor; o que canta é Jeff, mas já não é Jeff, é a essência da palavra, da música, cantada muitas vez como um sopro, um cicio, uma súplica, um apego, um último refúgio de uma paz que não tinha; por vezes o grito prolongado, quase inumano, como SOS, como, presença na ausência, como náufrago em ilha deserta. Olhámo-lo e Jeff Buckley não está ali estando. Há um Jeff e a sombra de Jeff. Luta desesperada para um encontrar a outra, mas quando o conseguem, temos o Homem, a realidade de um Homem.


Era jovem, belo, talentoso. Era Ele, Jeff Buckley, demasiada alma para corpo tão franzino, demasiadas esquinas de solidão para avenidas escancaradas de um mundo que amava pela rejeição. Morreu jovem regressando ao matricial elemento líquido, devagar, de mansinho desapareceu misteriosamente nas águas de Wolf River, cantando segundo parece o “Whole Lotta Love”.


Tocou em Clubes quase de bairro, ou pequenas salas, porque a sua música era de transfusão, de intimidade, de como poucos… para muito poucos. Deixou uma voz em murmúrio, em pedido de afago, dolorosamente silabada, ( palavra como refúgio, como salvação?). Tocava e cantava muitas vezes de olhos fechados, como para que a luz interior que o habitava não o consumisse, por vezes gritava versos, como farol de aviso a barco perdido.


Foi-se embora aos 31 anos, mas deixou-nos um legado de canções curto mas precioso, daqueles que só os anjos de asas caídas nos sabem dar. É comovedor ouvir o “seu” Hallelujah,( Já o coloquei num outro post) ou esse hino que é Grace, ou o Last Goodbye, So Real, Mojo Pin ou Dream Brother. Percebe-se de que massa é moldada um verdadeiro cantor, sem espectáculo, sem montagem, sem fait-divers, na crueza de uma música, de uma letra, de uma voz.


É bom ter filhos que sabem gastar 20 Euros do seu dinheiro “porquinho mealheiro”, na caixa com 2 DVD e um CD, “Jeff Buckley Grace, Around The World”, e saberem o que querem, e não irem na moda do “ir com todos”. É bom ter filhos e aprender com eles a gostar de Jeff Buckley, a coloca-lo num jardim de anjos de asas caídas, que guardamos com desvelo nesta tribo: o jardim de Nick Drake, Laura Nyro, Judee Sill, Cobain, ou Janis Joplin entre outros. É bom ser pai, e com eles fora de casa, surripiar a caixa de Jeff Buckley e deixar-me comover por este génio e eles se calhar sem saber, habituados que estão às carradas do meu Bach, do meu Schubert, do meu Tallis, do meus Webster, Tatum , Parker, ou Coltrane, ou da minha Barbara, Dalida, Delerme, ou Tenco.


Num dos DVD, Jeff afirma” A minha voz é a minha essência…não podes mentir perante o público”, ou…” eu não finjo, sou o que sou” .Assim, adoro Jeff Buckley, porque como canta , é “So Real”!


Escrito de “rajada” para os meus filhos, É TÂO BOM TÊ-LOS e VÊ-LOS CRESCER!Mesmo para a “Trancinhas”, que do alto dos seus 8 anitos, já vai trauteando o Hallelujah e que de certeza não demorará muito, me vai chatear com um “ Pai, não me arranjas um “pin” do Jeff Buckley” para a minha mochila? “.





sexta-feira, 13 de novembro de 2009

MARIA GABRIELA LLANSOL...LIvro de Horas I


Um novo livro da Maria Gabriela Llansol, por iniciativa do ESPAÇO LLANSOL e desses infatigáveis apaixonados e estudiosos da sua obra, João Barrento e Maria Etelvina Santos. A Assírio e Alvim, na sua colecção Arrábido, chancela editorialmente.


“UMA DATA EM CADA MÃO –Livro de Horas I. (Lovaina-Jodoigne, 1972-1977)


Sem ser um diário, ele plana muito no estilo diarístico, embora seja o que diz ser , um Livro de Horas. Prefácio dos dois autores citados, explicitando o aparecimento desta obra póstuma e de futuros projectos de publicação de muitos inéditos de Llansoll uma introdução notável da Maria Gabriela em que o título diz tudo : “A Raiz de Qualquer Livro”, para depois a escritora colocar em mais de 200 páginas as suas “Horas” , que mais não são do que a sua imersão viva no fenómeno da escrita. O livro vem acompanhado de desenhos, esquissos(fac-símile) da própria Maria Gabriela Llansol.



Nada de novo na sua escrita e tudo de novo na sua escrita. A mesma melodia cativante, a mesma fulguração do instante, o mesmo fractal colhido no momento, a dispersão atenta e concentrada nos objectos, nas “coisas” vivificadas.



Não há totalidade, totalitarismo nas suas horas, elas são fragmentárias e unitárias na escrita delas. Sonhos, vivências, dores, géneses de personagens com quem dialoga, imaginários, tudo numa escrita de enorme profundidade de uma uma riqueza linguística, de uma confluência para um (in) leitor.


Sempre em Gabriela essa possessão da escrita que se torna des-possesão quando se transmuta no leitor em corrente sanguínea. O seu exílio nunca o é, por universal que se toma. O leitor atento de Maria Gabriela Llansol nunca é apanhado desprevenido, porque a autora deixa-o partilhar dos interstícios das palavras, nas lacunas do texto a preencher, na sua pretensa obscuridade, que o obriga a procurar a luz, a essência, a capacidade de ver.



Este um dos segredos da escrita de Llanso , a recusa da representação pela imersão do real da escrita. Escrita de passagem, de errância, mas também de permanência, de brilho fulgor, de momento apertado a apartado na escrita. Um livro, um livro maravilhoso. E sem me admirar, com uma tiragem de 500 exemplares.



Eduardo Lourenço previu tal como Vergilio Ferreira, e eu dúvidas não tenho: Gabriela llansol será num futuro, não sei se próximo ou distante considerada uma das escritoras mais extraordinárias e geniais de toda a Literatura Portuguesa.


Porquê? Raramente um escritor imerge tanto retalhado no seu silêncio, no seu mergulho essencial na corrente de escrita. Maria Gabriela, não é a representação da palavra, é a Palavra. Escrita e Maria Gabriela llansol, são indissociáveis, fazem parte do mesmo corpo de texto, da “Mulher que não existe, pois é escrita por________”, como ela escreve.

Maria Gabriela escreve para um tempo de ter tempo, dá-se ao leitor que ainda não desaprendeu o beijo do silêncio, que atentamente sabe coser as linhas espaçosas do entre as palavras, do leitor que ainda consegue sentir em si esees momentos fulgor do inscrito no escrito mesmo nos intervalos do não escrito.


Que haja muitos legentes de textos e mãos abertas a receber a Maria Gabriela Llansol.

14 de Fevereiro de 1972
A cena primitiva

" A vida eterna não existe.
Sentou-se arranjando as saias, para assistir a produção do texto.
Esse texto é um texto que assiste à produção do texto.
Este texto é a cena primitiva do texto.
A mulher não existe, mas é escrita por_____________ (...)


11 de Junho de 1972

"O que me desespera é que eu própria não seja um codicilo, um
caderno, um livro, onde tudo o que acontece possa, a todo o momento,
ser escrito."


(...)

As palavras leva-as o vento

As palavras exprimem agressividade, amor, vários sentimentos

No princípio era a palavra
"Lavra" - termo da própria palavra.
Parole - rô-le, um papel quie representa.
O que leva a palavra a falar é o desejo.
A palavra é um jogo de não e de aceitação. O não leva à esperança de uma aceitação, como a aceitação é já o princípio9 de uma próxima recusa. (...)

Eduquês, Anti e uma História...

Há por aí blogues docentes de referência (o que será isso?) onde se escreve de uma forma torrencial, a quilómetros de pujança diária ( pois… parece que uma das regras da blogosfera-dizem os gurus- para ter um blogue de sucesso é a actualização constante, mesmo quando nada se tenha para escrever de significativo, mesmo que seja para afastar o tédio que nos consome, assim numa espécie de versão de algumas redacções jornalísticas “quando não há notícia, cria-se a notícia”), que até nem são maus blogues do género, todavia quando se metem a brios de escrever sobre o eixo central de toda a estrutura educativa, as relações pedagógicas professores-alunos, aquilo é de uma pobreza confrangedora, de uma falta de ideias, de uma capacidade de análise mais do que limitada, chegando em alguns casos a raiar a “astrologia” , ou o anúncio pago sobre as promessas de felicidade visionadas em bola de cristal.

Em alguns, até adivinho o porquê: sujeição a limites estreitos de esquematização mental de serem “anti-eduquês”, que não sabem muito bem o que isso quer dizer, mas porque fica bem, porque é bom, dá saúde, e milhões, dizer mal, ou ser anti qualquer coisa, quando a capacidade de explicação nos falha, quando as dúvidas nos consomem, quando estacionamos num “envelhecimento precoce” do estilo “ no meu tempo, não era nada assim”, ou quando até sem ler os autores em questão , dar tom abalançarmos em leituras que não se fizeram ao longo da nossa formação profissional. Já não é a primeira vez, e se calhar não será a última que leio na blogosfera o que umas “bestas” escrevem de forma caluniosa sobre Stephen Stoer, sobre Luísa Cortesão, Carlinda Leite, JOsé Pacheco, ou sobre a minha mestra, Manuela Malpique, e no que “escarrovinham”, denotam um desconhecimento completo sobre o papel destas pessoas na História da Educação em Portugal, ou quando muito, algumas leituras de parágrafos em folhetos, ou brochuras ministeriais, ou folhinhas de fotocópias de acções de formação.


Assim , ser-se anti-eduquês significa para muito ignorante pegar num copo misturador e fazer uma enorme batido, onde cabe tudo: modernas técnicas pedagógicas; didáctica de ensino, psicanálise, psicologia comportamental, História da Educação, e máquinas ministeriais, aplicações canhestras de ideias pedagógicas, burocratas assanhados de gabinete.


Criticando os chavões “eduques” , lá bem os chavões dos anti : “ è preciso isto e aquilo”, “é preciso a restauração de…”, mas em muitas dessas sugestões, em esconso, um desejo quase pueril de regressar à “régua” à “porrada no lombo”, à expulsão pura e simples, ou talvez criar em cada esquina uns IRS, ou a aquisição de “repelentes de pré e adolescentes”. Só que no seu íntimo, eles sabem que os jovens de hoje, não são os dos anos 50,60,70,80 e mesmo 90, e que muito do que assistem em muitos jovens lhes escapa, como escapa à minha pessoa, com a diferença que na minha reflexão não me refugio no passado, (acredito no processo de hominização pois!) no que era - que agora já não pode ser, nas soluções musculadas, nem nas vergastadas de Singapura, ou campos de reeducação na China.


Sempre desconfiei, para depois infelizmente ter a confirmação, que muitos colegas que entram de “camisa aberta e cabelos no peito” na sala de professores a altos brados “ comigo é tudo a eito” , “ Nem piam” e por aí fora, eram aqueles que dentro da sala de aula mais problemas disciplinares tinham e mais se acobardavam na imposição de normas, na imediaticidade de actuação, na resolução dos conflitos - pois claro que isto de auto-estima é para todos. Mas não o deveria ser na humildade de pedir ajuda, do diálogo franco com outros colegas, ou mais experientes, ou com abordagens diferentes no controlo disciplinar, para não falar nas leituras sobre a temática do que naquela altura nos afronta a serenidade profissional. Não, sabemos tudo, somos auto-suficientes, os problemas são dos outros.


Posso estar errado pronto, mas com trinta anos de serviço, continuo a ver na profissão docente um alastrar doloroso (in) solidão , do isolacionismo, dos diálogos quase insubstanciais e de circunstância de salas Professores. Claro que a Tutela Ministerial contribuiu e muito para o agravar desta situação, mas façam-me o favor de serem mais argutos e perceber o que estou a tentar transmitir. Não me estou a referir à “unidade” da luta contra um “inimigo comum”, as concentrações gigantescas, por muito importantes que fossem na nossa coesão de classe, estou-me a referir a algo mais maninho, mais micro-relacional, mais teias de humanização docente, mais sentidos tácteis interiores.


Mas dizia eu acima, que muitos anti-eduquês quando dissertam sobre a relação Professor Aluno, ou deliram, ou tornam-se autênticos “oráculos de Bellini” , o que em mim traz dois efeitos engraçados: começo por uma raiva crescente que se desvanece depois numa gargalhada terapêutica. Houve um que a respeito da disciplina queria pôr “trela”, açaimo,” e tudo, nos alunos subentenda-se, outros oráculos, clamam “perigo eminente” – Não quer ter problemas (reparem neste discurso…), então faça isto, não faça aquilo, cuidado com aqueloutro!


E que tem isto tudo a ver com uma história infantil? Nada e tudo! Na passada semana, dei por mim a lembrar-me de tudo isto, depois de ter lido antes da “dorma” à “Trancinhas” uma história belíssima que desconhecia do José Fanha, de um livro um encanto “ Diário Inventado de um Menino já Crescido”.


Raio de história que é do mais “eduquês” que se pode ler! E eu “educado” e empedernido no bom “eduquês”, achei-a deliciosa e ponto de partida para este conversatar!


Duas professoras

Eu tenho duas professoras.

A dona Adelaide que ensina muitas coisas e com quem eu e os meninos da minha sala não aprendemos coisa nenhuma. E a Mariazinha que não ensina coisa nenhuma e com quem nós nos fartamos de aprender coisas.


Isto pode parecer esquisito. Mas é assim mesmo. A dona Adelaide ensina-me a saber gramáticas e rios e as voltinhas do aparelho digestivo e coisas dessas. Coisas que vêm nos livros e basta ler e responder às perguntas e para o mês que vem já não me lembro de nada.


A Mariazinha ensina-me a gostar das coisas. De todas elas. As grandes e as pequenas. As importante as outras. Uma conchinha da praia. Um buraco na parede. Uma folha de nespereira. O piar' de um mocho. Coisas que ficam para toda a vida cá dentro do coração.


A Mariazinha sabe muitas coisas daquelas mesmo importantes. Sabe muito bem de que cor é o silêncio, a que é que sabe o pôr do Sol e quantos metros mede um sorriso enorme que é o sorriso que ela tem. Se calhar, é por isso que eu nunca me hei-de esquecer coisas que ela me ensina.

José Fanha, Diário inventado de um menino já crescido