quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Despojos do Dia...Foi-se o Natal


Foi-se o Natal…

Mais um a parecer diferente.

Mas igual.


Foi-se o Natal…

Dos ricos, dos pobres

Dos assim e tal.


Foi-se o Natal…

Tão bonitinho, tão celestial,

De nunca parecer mal.


Foi-se o Natal…

Dos meninos, das prendinhas

Dos anjinhos, das famílinha a parecer

Que sim, mesmo quando lamaçal.


Foi-se o Natal…

Dos parvos que nunca levam a mal,

Das luzinhas, do bolinho, da farturinha

Do enfarta pró enfarte

Do ser hipócrita com arte


Foi-se o Natal…

Dos lembradinhos de data,

Chegados ou distantes,

Amorezinhos constantes ou sacanas militantes.


Foi-se o Natal…

Papá, mamã, vovós, tio e inhos do mesmo,

E primos e primas e imensa meninagem,

Tanta que quase cabia na garagem.


Foi-se o Natal…

Lindo, belo, celestial, de milhões de multibancos

De multidões aos solavancos,

Ai! Sua besta que me calcou o “chaval”!


Foi-se o Natal,

Do jiboiar do em seguida fazer, o que aqui não escrevo,

Por natalício espírito mas…

Terminado em ar.


Foi-se o Natal …

Dos médios de classe e de espírito,

Agora tesos e felizes,

Apesar da falta de capital.


Foi-se o Natal…

Que peninha…que Natal deveria ser todos os dias

Irra, cruzes canhoto,

Quando o próximo avião para o Nepal?


Pro ano há mais Natal e igual…

Talvez de restaurante aberto e bacanal,

De discoteca e D.J a “bombar” remix de Natal

De algum pimba especial.


Foi-se o Natal…

E não estou triste…


Foi-se o Natal…

E Foi bem!

Para onde não sei!

Ou sei?

Suspeito de informação certa que foi para a…

p…que o p…

ou “cabrão” que o descobriu!

Para os meus filhos, esta "brincadeira", para que nunca se deixem corromper por este miserável Natal, que lhes querem impingir, por este fingimento de Natal, que sendo tão fingido, quase parece real.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A MInha Mãe IV


Minha mãe de crer nos filhos pela alavanca do religioso. Emoção, quando penso na sua devoção ao "advogado" dos estudantes S. Domingos - Sábio e, nas suas velas de cera do meu tamanho na Igreja dos Congregados, para ajudar os meus exames de 5º e 7º anos! Minha mãe de me ensinar autonomia, quando aos doze anos, arrogante e malcriado, por me ter proibido ver um filme na T.V, bati violentamente com a porta do quarto, esquecendo-me da máxima "Deus escreve direito, por dedo torto!". Cinco pontos de suturação no S.Antonio, perante o seu olhar aflito. Em casa séria e inapelável: Fizeste mal a cama, nela te vais deitar! Amanhã, vais buscar a credencial ao hospital e, depois vais sozinho à Caixa a Barão de Nova Sintra, fazer os curativos até tirares os pontos! Não mexo um dedo!". Cumpriu a sua promessa e eu o curativo!

Minha mãe de regateares preços e qualidade, nas vendedeiras da Rua Escura; minha mãe de adivinhares minha paixão adolescente; minha mãe de suportares os meus ciúmes perante o nascimento do meu irmão J; minha mãe de chorares agarrada ao meu choro quando recebi o postal de apresentação na tropa; minha mãe humilde de me pedires conselho sobre a forma de abordares com a C, minha irmã, a sua primeira menstruação; minha mãe de rires de alegria e orgulho do teu filho A, quando num livro que te arranjei, dissipaste o medo da doença grave, pela descoberta do que te estava a acontecer - a menopausa; minha mãe de olhos loucos de felicidade pelo meu "canudo", pelo meu casamento, pelos meus filhos; minha mãe de olhares olhos nos olhos a minha mulher e, ordenar-lhe: "Nunca me chame mãe, que eu não sou sua mãe! Mãe há só uma! Eu sou mãe dos meus filhos!"; minha mãe sempre disponível para os netos, para a nora, para a fruta e legumes da feira, para a roupa a ferro; minha mãe em prédio sem condomínio a ficar com as chaves dos vizinhos para a verificação da água ou luz; minha mãe prestável e solicita, disposta a tratar de velha vizinha em adiantado estado de senilidade; mi­nha mãe ainda pobre, mas sempre disposta a receber roupas e objectos para os pobres.

Minha mãe, "gaiteira" a gostar de passear e viajar, tentando saborear o que na juventude perdeu e a não conseguir! Minha mãe de artroses terríveis de quase imobilização! Minha mãe de netos a jamais te deixarem descer umas escadas sozinha. Minha querida mãe do teu olhar sorriso, do teu dom de adivinhar, da tua franqueza do falar directo, da tua emoção sensível! Minha mãe de há poucos dias em minha casa quando te comecei a ler extractos desta Historia de vida relacionados com a pensão, os avó, eu menino e, de olhos brilhantes de emoção e alegria expectante, perguntaste num sussurro musical se tinha valido a pena: "Valeu a pena, não valeu? Não foi assim tão má a tua vida, pois não, meu filho?". Disse-te que estava ali a tua frente, sem casa própria, sem carro, sem dinheiro no banco, mas com a minha mulher, os meus filhos, dois gatos, milhares de livros e discos…e era feliz ! Percebeste a resposta! À saída, disseste a rir perante a minha mulher, mas alto para eu ouvir, que gostavas de me dar um beijo, mas que eu não gostava de beijos! Passados uns dias, mostrei-te que não era verdade, um beijo do fundo da mi­nha alma e um abraço de segundos, selaram o meu valeu muito a pena! Foste dos primeiros campos onde lavrou a minha felicidade! Se valeu a pena, mãe linda!? Deo Gratias por seres minha mãe!!

domingo, 23 de dezembro de 2007

MInha Mãe III



Sem "papas" e tento na língua, minha mãe! Mulher da Sé, da Ribeira, da Rua Escura, da Banharia pode ser tudo, ventríloqua não e! Não manda dizer, diz e pronto O calão, o palavrão, são pedras - defesa sempre prontas a atirar! Que se cuidem os sagrados nomes dos pais ou mães dos incautos que se atravessem no seu caminho! O palavrão portuense é um grito não calado do fundo das entranhas, descarga de raiva incontida, arremesso de ódio ou desprezo, pedra cortante, angulosa, nunca polida! Quem diz um palavrão sabe que o diz, não percebe o que diz! Ele sai, seta disparada, pronta a atingir, mas livre de preconceitos/de hipocrisia, literatura, "conversa fiada"! Talvez o destinatário seja o ultimo que se quer atingir, talvez seja a pobreza, a miséria a discriminação, o alvo a atingir. Talvez...ou talvez não seja. Talvez se diga porque é obrigatório dizê-lo. Há quem não goste, não compreenda, eu compreendo-os. Mas que se há-de fazer? Só eu sei, a luta interior comigo mesmo! Sou da rua, sou da minha mãe e, corre-me no sangue o dito cujo palavrão! Tanto me tenho esforçado para o educado de mim vencer a educação de menino de mim! Tenho-o conseguido em parte! Tenho a noção da conveniência, mas não consigo controlar a torrente vocabular; perante a hipocrisia, a injustiça, a discriminação, a barbárie! Maus políticos, terroristas, "dealers", "trauliteiros", proxenetas e proxenetas do desespero alheio, multidões chorosas de lágrimas virtuais... o que eu vos chamo! Ter alma de condor e planar de espírito sobranceiro sobre tudo, olhar de olhar irónico e despossuido, aceitar placidamente as "pulhices" do mundo, observar autoridade de ditador feita, atingir paraísos de fuga, não me foi destinado, não é para mim! Tenho por destino esta alma de leão, olhar inquieto e nervoso de gazela, a agitação in­terior de bisonte em manada, mas também a quietude dos grandes espaços! A minha paz interior nascida do desassossego, o meu equilíbrio essencial do desarranjo interno, a minha calma, na desconstrução racional da raiva, planura de felicidade depois de tropel de emoções!

Minha mãe que escondia de meu pai, as traquinices e asneiras de menino, embora ameaçasse que não Só o que não podia esconder, particularmente as notas escolares, tão cioso delas era meu pai. No dia em que teve de contar a mentira da aprovação no 1ºano do Liceu, ela sabia c que me esperava! Uma tareia enorme a que assistiu, até dizer aflita "Já chega...Z!" ; depois da minha dor,da minha humilhação, no meu choro e ranho, ouvia-a ripostar enérgica para meu pai:"És um estúpido de um homem! Ele mentiu-te meu estúpido...porque tem medo de ti!". Ali estava ela a desvendar o óbvio, a desnudar minha alma, a sentir dolorosa o meu afastamento interior do pai! Ela a interiorizar que do medo à indiferença ia um passo e, da indiferença à perda outro, mas ela não queria! Ela queria-nos salvar, unir as pontas de um no a desfazer-se, mas uni-las pelo lado mais sensível.

Muitas vezes ao longo da adolescência e mesmo depois, perante a minha raiva magoada, os meus desabafos pseudo - racionais, as minhas defesa "armadas",a minha mãe manteve-se sempre"neutra",nunca de tomar partido. Procurava sempre mostrar que por debaixo da minha lógica, estava uma outra, aquela que levava o meu pai a ser o pai que era! Magoei-a tanto! Hoje sei que queria atingir o pai magoando-a a ela! Sei que queria a "vingança” mas precisava de colaboradora! Tenho a certeza que queria a minha família, mesmo que tivesse de fomentar a discórdia! Quando me interpelava meigamente, ríspido e bruto no dirigir-lhe a palavra, lançava-lhe selvagem:"deixe-me em paz! Não me chateie! Não posso estar sozinho? Quero lá saber, vá chatear outro! “duro e burro” zurrava alto num misto de imberbe e ingénuo: "Eu não pedi para estar aqui! Eu não pedi para nascer! Vocês é que sabem para que me fizeram! Se calhar foi por acaso!" Tanto a magoei...tanto lhe disse/tudo me perdoou. Coração grandioso o de minha mãe!!

A Minha Mãe II

Exame da 4ªClasse por favor, com sapatos e vestido emprestados pela professora; Comunhão cristã no mesmo sistema de empréstimo e, ei-la preparada menina para ser mulher.Com doze anos, trabalhadora na fabrica de molas da roupa Lacerda & Cª, onde se manteve até ao casamento com vinte e dois anos. Não sei se por imposição de meu pai, por decisão sua ou, costume à época, deixou de trabalhar para assumir o seu papel de esposa e mãe. Algumas vezes se arrependeu! Ouvi-a várias vezes lamentar-se da parca reforma que receberia por não ter trabalhado os anos suficientes, ouvi-lhe muitas vezes o lamento entristecido pelo facto de depender da "miséria" do dinheiro que meu pai destinava para casa, assisti a belíssimas prelecções a minha irmã para ela "ganhar o dela" e não depender de nenhum homem! Quantas vezes perante o meu olhar enraivecido e cúmplice atirava: "o teu pai pensa que o dinheiro que dá estica! Se não fosse algum da pensão passávamos fome! Pró futebol, tabaco e café tem ele dinheiro, agora pa­ra casa acha que chega o que dá!” Mais tarde descobri que era verdade, o destinado à família era incrivelmente baixo em relação ao que meu pai ganhava. Talvez agora perceba o regatear de preços, a viagem pelas lojas a procura do mais barato, o sentido de aproveitar e poupar de minha mãe!

Poucos anos depois do casamento, o assumir o seu posto de criada - governanta da pensão da minha avó Eva, embora o fosse sempre mais a primeira! Só nos últimos cinco anos anteriores a nossa saída houve uma criada para ajudar. "Uma escrava, uma moira de trabalho, foi o que fui!", costumava e costuma dizer! E foi! Uma autêntica escrava! Nos períodos em que a avó estava na pensão, ainda existia ajuda, agora sozinha!? Treze, treze quartos para arrumar, alguns a dobrar, pelas aventuras amorosas de clientes, roupa aos quilos para lavar diariamente, compras, comida ao almoço e jantar, filhos a nascer e a criar...minha querida e extraordinária mãe! Como te trataram, como te deixaste tratar! Aos meus olhos de menino, o choque maior era outro: o subir e descer escadas! Dois lanços, trinta e duas escadas no total, que subia e descia dezenas de vezes ao dia, ao sabor de uma miserável e odiada campainha! Trinta e duas escadas "galgadas"numa ânsia de não perder clientes! Estava na cozinha ou na lavandaria e tocava a campai­nha, estávamos a almoçar ou jantar e tocava a campainha e, minha mãe lá descia as escadas para depois as subir! De noite e madrugada o mesmo toque cinco, seis vezes ou mais e o mesmo ritual a repetir: levantar, vestir o robe, atender os noctívagos, indicar o quarto, retornar à cama, tudo isto pe­rante o ressonar de meu pai! Alguma paz quando a pensão esgotava e, se desligava a campainha, mas mesmo assim, alguma " cavalgadura" não o percebia e batia furiosamente com os "cascos" na porta de entrada! Este ritmo in­fernal ainda era entrecortado pelo fechar da porta na cara de algum bêbado, o pegar na vassoura para mostrar a "porco de língua" que ela, minha mãe era mulher de respeito, o barulho de rixa de rua, o falar das prostitutas.

Escrevi vassoura, e este objecto faz-me lembrar histórias verdadeiramente rocambolescas; vassoura sempre foi objecto de culto para minha mãe. Tinha várias espalhadas pela pensão e, usava-as virada ao contrário com duas funções: arma de ataque a "porco de língua" e "levanta pai"! Minha mãe acreditava que uma vassoura escondida e virada ao contrário no seu quarto, ajudava o pai a acordar do sono pesado que tinha! Crenças!

sábado, 22 de dezembro de 2007

A Minha Mãe I




Porque odeio tudo o que querem impingir-me de um Natal que jamais será o meu, e porque vai ser Natal e aquele que é o meu, sempre foi o Teu, Minha Mãe...estas palavras em vários actos.

Neste destino de me cumprir homem no mundo, eles quiseram que me cumprisse. Desde o útero de minha mãe até hoje, a impressão digital indelével deles em mim! No vosso querer de querer-me, o meu querer de vos querer como pais! Vocês, elos de uma cadeia de não sei onde, até não sei quando. São os meus pais, aceito-o como dádiva cósmica de me saber deles porque me quiseram. Por vezes (na minha irritação adolescente, o desejo de os renegar, mas como? Como se pode renegar o que estando...é! Como ir contra o destino do desejo de me nascer mundo em carne viva, senão através do de­sejo deles? "Filho és, Pai serás",talvez não, mas,"Pais me fizeram ser, Filho sou", talvez sim!

Hoje, nenhuma mágoa, nenhum remorso, nenhuma recriminação! Tudo reintegrado em mim num equilíbrio terno de aceitação! Foram meus pais da for­ma que o souberam ser, porque não o souberam ser de outra forma, mas foram--no e são com autenticidade, com as suas forças e fraquezas, com as suas certezas e erros, com o seu fazer-me bem e o fazer - me mal pensando que me estavam a fazer o bem! Acusá-los de quê? Aqui, não há "ajustes de contas", porque nem existem contas, nem nada para ajustar! A vida fluiu, passagem do que tinha de passar e, o que aconteceu, circunscreveu-se ao momento, feliz ou doloroso, mas momento, que depois de o ser se tornou memória! Os meus pais, sulcos cavados em mim para sempre. Vales de felicidade, muitos, hoje a correr regatos de ternura no pensá-los, desfiladeiros de dor, outros, hoje fracturas cicatrizadas na planura de mim!

Primeiro Tu, minha mãe, sempre minha, sempre presente, apoio firme, "barco salva-vidas" quando o necessitei, vento de me por a navegar quando preciso, farol de aviso aos meus "encalhes"! E tão difícil escrever de minha mãe! O que dizer, que outros filhos não o dissessem?! A tua presença e, a maneira como me amavas, e amas, mostrou sempre a tua consistência de mãe. Desde o caminhar pela tua mão na Rua Escura, até a tua alegria sempre actual de me veres, mostraste sempre essa felicidade de me teres como filho, sabendo que a mesma é correspondida, de te ter como mãe! A tua fotografia sépia no meu escritório, grande, à vista, pendão de orgulho e gratidão de te ter como mãe! Soubeste de uma forma extraordinária, juntar a ternura e acção, a liberdade e os limites, o dizer sim e o não, o amparar e o "tirar a mão", o confiar, mas não o "cegar"! Contigo, os meus olhos de menino, o meu coração de adolescente, o meu terno racional de adulto, aprenderam o equilíbrio essencial do meu ser em crescimento! Mãe é para isso mesmo, tu tens sido isso mesmo!

Menina pobre de pais muito pobres, menina ribeirinha da Ribeira e de rua, sei que foi. De sua mãe, minha avó Micaela, recordo uma velhinha amorosa que adorava passear comigo na Ribeira cumprindo o seu ritual: "galão" com pão com manteiga no café dos Arcos e , depois “velinha" as Alminhas da Ponte, ou, vela e isca de bacalhau na casa do mesmo. Chamava-me "meu netinho" e; nunca me recusava acompanhá-la pela ternura e respeito que infundia. Viúva ainda nova, viu-se a braços com quatro filhos a criar e, criou-os! Nos últimos tempos da sua vida, enquanto as pernas lho permitiram, gostava de visitar a casa dos filhos e passear com os netos. Pelo choro e tristeza de minha mãe, apercebi-me da sua morte, embora houvesse a preocupação de me poupar, menino que era, a imagem da mesma. Deram--me as explicações tradicionais do ir para longe, para o céu. Acreditei.

Minha mãe menina a acompanhar a sua, calcada da Corticeira abaixo, calçada acima no transporte de molhos de carqueja, descarregada por barcos negros aportados no Douro. Por vezes não a acompanhava, pois no meio de duas ou três penosas subidas, ficava junto dos embarcadiços, que lhe ofereciam de comer das suas marmitas, doridos da sua fome. Conta minha mãe, que na fome que passava, aquela comida, por vezes mais requentada do que quente, lhe parecia um "manjar dos deuses". Passou fome a minha querida mãe! Mesmo mais tarde, durante a gravidez de mim, a vida não lhe foi fácil, pois o alimentar-se mal foi a causa do meu raquitismo. Nunca da boca da minha mãe, pós 25 de Abril: "No tempo do Salazar e que era bom!” , antes muitas vezes: "Era um rico filho da... Comíamos o pão que o diabo amassou!". Consciência da ditadura na fome que sentiu!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Queria Tanto Que Chovesse...Amanhã



Amanhã apetecia-me que chovesse! Chuva de chuvada, daquela mesmo “chuvida” ! E muita chuva, que chovesse muito e a potes, como soi dizer-se! Mesmo com consequências nefastas para mim, mísero andarilho, seja de resfriado ou gripe anunciada, que não tenho, nunca tive, nem quero ter automóvel. Gosto da chuva, daquela às riscas, certa, não violenta, que se ouve de manso em vidraça embaciada, ou quentinho de cobertor - cama. Gosto da chuva, do seu plim no meu rosto, ou do seu peso líquido a escorrer na transparência. Gosto da chuva, da chuva dos meus sentidos, da chuva cá dentro, da melodia simétrica do seu cair, da liquidez do pensamento com que me mimoseia, da melancolia boa que me abraça. Gostava que amanhã chovesse muito, mas muito mesmo, mesmo, mesmo muitíssimo! Porquê?

Não digo! Ou…Digo?

Pronto, amanhã se calhar vou ter a minha primeira observação supervisionada! Mentira!? Verdade! Centenas de olhos a observar-me, a mirar-me à espera de algo que não posso nem tenho para lhes dar! Escolhido pelo meu Conselho Executivo para “maiata porrada” de Coordenador participante no Workshop (onde houve muito Work e pouco shop) , agora vou pagar o empréstimo com juros, e ter de transmitir em RGP, uma resenha mais ou menos animada sobre os temas de trabalho do dito workshop. É que tenho receio, porque partilho das estupefacções, das surpresas, das indignações de alguns colegas e alguns terão a tendência humanamente suicida de se indignarem, de falatarem, de rirem, de confundirem o “palestrante” com a coisa da palestra e sem quererem, exigirem que este humilde artesão de um simples workshop, tire coelhos de cartolas, que explique o inexplicável, que diga o que gostassem de ouvir, ou me confundam com entidades governamentais e sendo homem, só podem ser dois, os Excelentíssimos Secretários de Estado da Educação. É que não tenho nada, mas nada mesmo a ver com os senhores, com a vénia tutelar respeitosa para os ditos, ainda por cima com uma diferença bem marcada e sem petulância – sou um bocadinho mais bonito, pronto!

Portanto, centenas de olhos expectantes do estilo “diz lá ao que vens, maduro?” e eu sem nada nem de ir nem de partir, nem sequer de chegar! Avaliar competências na docência e supervisão pedagógica. Bora lá , que vai aço! Ou à moda do meu Porto, “dá-lhes com a barra de ferro na mona” ! Tem que ser! Mas dizer o quê? Que neste momento, não pode haver intermédio, nem “pilares de pontes de tédio” na classe docente? Que só pode existir escolha entre duas alternativas? A Imposição pura e simples ou o diálogo franco e aberto? A ditadura hierárquica com tiques de prepotência, ou a negociação responsável, o diálogo solidário, respeitoso e consequente entre avaliadores e avaliados? Que só num jogo assumido, inteligente e de efeito de espelho, será necessário projectarmo-nos no papel do avaliado como avaliadores e de avaliador no de avaliador? Mas também perceber que práticas e rotinas vão ter de mudar, que vai ser necessário fazer inflexões e evoluções na nossa maneira de ser e estar docente? Que só sendo humildes nos podemos agigantar e que aceitações de erros de percurso, de humanas escorregadelas, nos podem fazer crescer no nosso percurso profissional? Que aqui e ali teremos de pôr freio no nosso primário narcisismo, que a crítica construtiva tem de sobrelevar sobre a cegueira do poder hierárquico, que tudo vai mudar, sem mudar o que tudo pode e deve ser a essência do se ser verdadeiramente Professor!

Dizer o quê? Talvez isto, ou o meu imaginário a pedir: não digas nada! Manda-os ouvir a chuva! Como gostaria que chovesse amanhã! Como gostaria de mandar todos aqueles colegas para o campo de jogos e pô-los a ouvir a chuva, amar a chuva, cantar a chuva! Aproveitem o vosso tempo, sosseguem o teu coração, o tempo afastará a angústia e o desespero! Como desejava que chovesse! Talvez até deixá-los no seu imaginário docente, passear à toa, dando aulas ao vento, ao som de uma música que lhes assentaria bem! Parvoíces da minha parte! Excepto a música! Aí vai, amigos e raros Professores leitores do meu blogue! Particularmente para Ti, JMA, que parece que sentiste frio no dia mais frio do ano e resolveste aquecer o meu blogue interior com um teu comentário. Sem te conhecer, conheço-te desde o longíquo “Rumos”, a Ti e à Angelina, a Isabel Margarida, ao Antero, etc, etc. Isso sim , leitura – luzes que guiando-me pedagogicamente , me ajudarem neste feitiço que me não larga vai para anos o de desejar “ Ser quase um bom Professor”, como diria o meu primeiro mestre pedagógico de leituras Sebastião da Gama. Ah!

Esquecia-me, estás, estão completamente proibidos de usar guarda-chuva!

PS: ontem não foi possível a entrada do vídeo e como tal, já passou! Hoje não choveu, mas foi como se tivesse chovido. Aqui em casa, a tratar dos três parâmetros avaliativos, com descritores de banho tomado, jantar e História pela certa, por devoção de Pai e compromisso natalícios da minha T. Uma informação (zinha) : as fotos são minhas, a montagem minha, a música "emprestada" (Listen To The Rain) a esse trovador fabuloso tão pouco conhecido, chamado Eric Andersen de um álbum-tesourinho surpreendente " Ghosts Upon The Road"

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Ternura Docente



Em época de temores, raivas contidas ou incontidas, desinvestimentos profissionais, cansaços, abandonos, baixar de braços, deixar - andar, cada vez mais a minha serenidade, o meu investimento, as minhas sinergias ao serviço d’Eles razão única e exclusiva do meu EU docente. Assim nas minhas poucas natalícias férias, rever alguns destes filmes, junto ao aquecedor, que lareira não tenho, não como medicamento para azia, ou lenitivo psicológico, mas sim estilo “cobertorzinho” quentinho e da serra, ainda por cima aconchegadinho com a minha T Companheira de caminhada e os meus três grandes parâmetros avaliativos de vida M, F e E. Claro que a música - voz dessa deusa canadiana Loreena Mckennitt estará sempre convidada a passear cá pelos meus interiores salões que ela tão bem conhece.

Este "vídeozinho" foi realizado por mim e enquadra-se nas “brincadeiras” que todas as semanas vou mandando aos meus queridos colegas de Departamento, porque como Coordenador, sou adepto da chamada Departamental Ternura, e nada da departamental ditadura. Os textos são meus, lírico, parvo e velho que vou ficando, com todos os vícios inerentes à “mimice” do suave declínio, á doçura achocolatada dos sentidos. Verdade que em relação à minha classe, também gosto muitas vezes de avinagrar um pouco os cozinhados, porque de comida insípida docente anda muita gente farta!

Dedico este trabalhinho a todos os meus colegas Professores e Professoras sonhadores, os tais Ícaros que não desistem, mesmo com asas a derreterem, que sabem sacar desta bela melodia solar que é ser Professor, o bom quente da música de se Ser, de se ter uma Profissão única e irrepetível. Os outros, aqueles que se sentem funcionários, que se deixam interiormente funcionalizar, que vão ficando por serem assim ou por opção, “homens-mulheres-a-dias” que afirmam peremptoriamente que deixaram de amar, o que amado foi (o que duvido, porque amar ser Professor, é como andar de bicicleta, ou amar grande companheira - nunca esquece, quando muito adormece!), paciência, não lhes posso dedicar nada, não são da minha luta, do meu sentir, da minha profissionalidade. Talvez apenas um lento e longo olhar imenso de incompreensão - compreensão, nada mais!

domingo, 16 de dezembro de 2007

AVALIAÇÕES PERIÓDICAS


AVALIAÇÕES

Vou começar esta postagem por uma frase que pode ser polémica ou não: sendo Professor, detesto avaliações de final de período!

Não sei se acontece a muitos colegas Professores, mas a mim acontece, por estas alturas, e no fim-de-semana que antecede as avaliações. Uns compreenderão esta minha reflexão, outros, nem tanto, porque sem ofensa, avaliar de final de período “é tão natural como a própria sede”, faz parte da sua obrigatória rotina docente, mais ou menos trimestralmente marcada. Da minha também, todavia, vai para anos que se instalou cá dentro com vontade arreigada de ficar, um hábito subtil que se repete no meu ser docente: “tout acompli”, avaliação feita, notinhas informaticamente lançadas, acontece-me no fim-de-semana anterior às reuniões “pró-fórmicas”, uma vontade imensa de isolamento, de um “estar em mim para comigo” que começa num cedo erguer por volta das 7 da matina, e se prolonga pelo entardecer de Sábado. A necessidade de me repensar Professor, de analisar a minha profissionalidade docente, de me (re)centrar com deves e haveres desta melodia deliciosamente inacabada que é, que vai sendo, ser “Prof”.

Assim, oito horas da manhã num café, ainda silencioso, vou escrevinhando com a minha caneta de tinta violeta e permanente estas frases que depois tomarão forma htm qualquer coisa num blogue que ninguém, ou poucos lerão. Escrevo, sereno de trabalho cumprido, e inquieto, de avaliações a participar. Diálogo curioso no silêncio de mim. Sei ao que vou, tenho que ir, mas não gosto particularmente do que dali sai. Não sei explicar bem porquê, nem sequer consigo vislumbrar explicação válida, mas as reuniões de final de período são uma espécie de um “tem que ser”, mesmo que eu não queira que sejam, sem saber muito bem o que poderão ser! E curioso, é que sou Professor vai para 29 anos! Admito outras opiniões de colegas, mas não tenho prazer, gozo, alegria nenhuma nestas reuniões! Costumo mesmo dizer gracejando que as trocaria e bom grado por quinze dias de aulas (estejam descansados que a Ministra actual, ou o futuro, Valter, não lêem o meu blogue)!

Neste acto formal de me dizer docente, a procura da máxima objectividade, dos pesos e medidas, do tudo registado e ponderado, naquele número a atribuir, todavia tanta subjectividade que vai bailando nos salões do meu solar de “Prof”! Um número - carimbo, simbólico, nivelado, mas certamente arredio de uma dádiva - recepção, encontros – desencontros, sorrisos – ternuras, de quase três meses de sala de aula e mesmo fora dela. Saber o que significa esse número – nível, mas não lhe exigir mais do que isso, não lhe dar atestados de verdade absoluta, de certeza incontornável, porque no processo educativo, isso não existe, humanos que somos, e como tal, gestores muitas vezes de imagens partilhadas de uns dos outros, mais do que realidades que arrogantemente julgamos ver. Para isto deveria servir e serve a Pedagogia e, lamento decepcionar os NN e MR, arautos encarniçados anti-pedagogia, que numa tendência cada vez mais neo-liberal e saudosista, procuram um “ontem que nunca mais cantará”, completamente ignorantes do que é uma escola e um miúdo hoje, uns, outros, mesmo sendo professores, desejosos de um ensino baseado numa relação autoritária, e unipessoal, musculada, que seria a salvação do ensino em Portugal – isto sim – ingenuidades pedagógicas! Mas vão tendo tempo de antena e vendendo livros, que vou lendo com aquele sorriso distante e brincalhão que a idade já me vai permitindo. Tenham lá paciência, mas gosto da Pedagogia, e no meu ser Professor a ela devo alguma coisa, para não dizer bastante.

Avaliar a minha “chavalada”, 2,3,4,5, está bem! Autoavaliaram-se e não mostraram discordância com a minha avaliação, ainda bem, mas e se mostrassem? Há dois anos, minha filha M, depois de ter um 4, quando achava que merecia um 5, e depois de explicar à Professor da disciplina que nunca tinha faltado, que era pontual, que sempre tinha feitos os tpc, que era empenhada, que participava na aula, atenta, com testes de Excelente e Satisfaz Bastante, etc, etc, levou um 4 e ainda um “ronco” da referida docente pela ousadia – questiona-me em casa com a sua lógica adolescente e imparável: Pai, para que serve a auto e hetero avaliação? Já viste um “Prof” mudar uma nota, só porque lhe pedimos outra e lhe demonstramos porquê? Fartei-me de rir! A minha M, estava por direito a perceber alguma “democracia” que vai cantando e rindo nas nossas escolas.

Fui justo? De que justeza? Fiz o que foi possível, ou poderia ter feito melhor? Aqui e ali, não poderia ter mudado estratégias, tentado opções, mesmo sacrificando timing programático? Depois, tenho a consciência que a imagem do aluno que construo, pode nem corresponder ao aluno verdadeiro e, que para bem ou mal, isso poder ter influenciado algumas observações não objectivas do mesmo? E que a aceitação da sua própria nota poderá advir do hábito de assumir o que assumido está?

Não gosto das reuniões de avaliação, pronto, o que se há-de fazer? E cada vez vou ficando mais silencioso nelas, mais ouvindo do que falando, e mesmo no último caso só o estritamente necessário, o valorativo e informativo, menos o comentário avulso ou despropositado. Não é por mim que as reuniões demoram, nem se estendam no tempo infrutíferas, muitas vezes! Como Professores, temos a mania que sabemos de tudo e é espantoso como ao longo dos anos fui verificando a inépcia de muitos colegas em saber reunir, em saber dirigir uma reunião, em aproveitar o tempo de uma reunião de avaliação, mesmo com a sobrecarga da burocratizada papelada! Há colegas Directores de Turma e colegas que têm o especial condão de complicar o fácil, de arrastar o que se poderia agilizar, de comentar o incomentável!

Uma reunião de avaliação deveria ser isso e nada mais do que isso, e outras deveriam existir, e existem, para dialogar mais profundamente sobre os alunos, os seus problemas, as suas caminhadas e tropeços nas aprendizagens. Aqui as notas já estão lançadas, pensadas, reflectidas, e o Conselho de Turma deverá sancioná-las e só em casos extremos, ou complicados, analisar o nível proposto por um colega, por isso o trabalho deveria incidir apenas e só sobre o essencial, mas algumas vezes (muitas?) isso não acontece, ou por cansaço, ou não saber estar em reunião, ou falta de liderança do Director de Turma, perdendo-se a reunião em minudências burocráticas, em jogos florais de reduzido interesse pedagógico, quando não em diálogos esparsos, ou mesmo comentários entre o parvo e o desajustado. Felizmente noutros casos, por razões inversas das apontadas, a eficiência da reunião, traz alívio de dever cumprido e até um não cansaço que é benfazejo.

Não tenho culpa…não gosto de reuniões de fim de período! No meu imaginário docente, vou ouvindo uma voz que me questiona frequentemente: o que gostarias de ser dispensado na tua pratica docente? Acreditem que a Ministros e Secretários de Estado, vem em 2º lugar as reuniões de avaliação: natalícia, pascoela, e de veraneio! Mas ensinaram-me que gostos não se discutem! Isso é que era bom!

Pronto, desculpem os olhares que me lêem, particularmente os meus colegas Professores! Uns, sorrindo, concordarão, outros, já os vejo muito humanamente corporativos, a ranger as mandíbulas de despeito, ou mesmo raiva contra estas aleivosias, mas, tenham paciência. Este blogue não nasceu para dizer améns a ninguém, nem para ser caixa corporativa de classe, nem sequer para agradar a colegas, nem pretende ser espelho de infantilizações docentes (um perigo da profissão e belo tema para um futuro post), nem caixa de ressonância de ódios inconsequentes de membros de um grupo profissional, que bem precisa no momento de inteligência, serenidade e solidariedade, mas sempre na verdade. Neste meu blogue, a Minha! Para outros fitos e, para todos os estilos e gostos da classe docente, outros blogues existirão.


sábado, 24 de novembro de 2007

HUMOR IN...DOCENTE




Quinta, Maia, trezentos e tal colegas de Profissão, JMA, como sempre belíssimo orador, Sábado o dia todo, 8 Horas de Formação, que Coordenador não será favor! Cansaço? Nem tanto!? Curiosidade de tudo, um olhar por vezes amargo, a maioria das vezes profundo e solar sobre tudo isto. Não cair no erro de outros! Caminhar sadio no meu ser Professor! Jamais os tais “burnout” docente, sempre os Burn-In que me acompanham desde o início do fascínio. A serenidade, a calma, a esperança, a necessidade de me desconstruir para a minha reconstrução, para o meu banho de ir indo. O meu ser Professor, sempre atrás, mas sempre da Minha T, e dos Meus F, M e E. O Meu Bach, o meu Ruben A, e o meu Casimiro de Brito, a interporem-se muros sólidos entre a sufocação burocrática docente e a minha disposição interior. Sempre aquela melopeia interior quase infantil desde os vinte e dois, a dançar cá dentro: ouve, observa, lê, mas por Eles, Só por Eles, vale a pena! Essência do teu ser, da tua solaridade docente, neste crepúsculo, neste suave declínio em que só a essencialidade das coisas começa a contar.

O que procuro transmitir aos meus colegas departamentais, nas mensagens que lhes mando todas as semanas via mail, seja num poema, numa música, numa BD, num vídeo. Aqui a partilha de extractos de uma BD que lhes enviei. É sobre estratégias variadas na sala de aula, e porque não, observação das mesmas pelos Coordenadores! Imaginemo-nos escondidos na vinheta, em claramente vista observação! Calha bem, reconforta-me com uns certos parâmetros avaliativos, com uns certos descritores, de levar maiata “porrada” desconstrutiva, neste Sábado que acaba de se ir. Bem procurei nas ministerias grelhas e regulamentares despachos, um bocadinho do estilo “ o docente mostra sentido de humor, utilizando-o a preceito e em doses consideráveis, para tornar a aula agradável e apaixonar a miudagem” ! Para esse bem arranjava eu descritor, mas…nada. Riu-me eu deles e por eles , “castradores de reinos” em gabinetes estupifadados de arredia realidade. Rio-me, gargalho-me na proporção da sua cinzenta, amarfanhada e amortalhada viuvez de vida.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

E por falar da minha M , filha adolescente…ela que não, que nem pensasse, se estava senil, eu, que sim, é um trabalho meu, que me deu, que nos deu a todos os tribalistas, momentos de grande galhofa, principalmente à “caçulinha” , que adorou o retrato capilar e dermatológico da irmã, e que era educativo , porque se em relação a Bocage, a minha filha era letrada por escolar ensino, em relação a Sá de Miranda, “népia” , “nestum”, porque este homem tão desgraçadamente esquecido em vida, o parece também ser depois de finado, porque nas escolas portuguesas, nem vê-lo, nem lê-lo, nem conhecê-lo! Bem me amofino eu junto da minha plateia juvenil do 8º Ano, aquando da curricular matéria do Renascimento em o promocionar quase detergente, quase “dois em um” , como um dos maiores escritores da língua portuguesa, como um mestre inovador da “medida nova” , como um epistolografo de rara estirpe, e riqueza linguística, pouco igualado na nossa Literatura. Confesso que não recebo palmas da plateia, mas o nome lá fica, uns quarteirões atrás da morada sumptuosa de Camões, nem que seja numa plaquinha descorada das suas memórias. Portanto a minha M, cedeu, pela lição gratuita, pelo Sá de Miranda, e pelo humor. Cedeu, mas sem foto actual, apenas e só, uma, de criança, que a não identificasse, pois dificuldades em arranjar jovem louro, belo e de espírito renascentista, ou iconoclasta bocagiano, já ela vai tendo.
Retrato pois da minha filha M, tal como foi exarado para trabalho de Língua Portuguesa (autorizado pela docente, claro!), pelo seu Pai e escrevinhador de horas vagas e vesgas, autor deste blogue.


Poema à Minha Filha M em modo antigo


Estatura Meã …

Cabelo corrido, em linha

Franja a tapar espinha,


Olhos rasgados, vales cavados…

de profundo açor

Olhos meigos de guardar Amor,


O meu nome de cresce e aparece,

Ou como Neruda…M.

Palavra em cujo crescimento amanhece,


Eu, de frente ou de perfil

Carona desenhada a aguarela ou giz,

Sempre senhora do meu nariz,


M. Inês, de Castro não sou,

Queirós de mãe…vendaval que se alevantou,

Vieira de Pai …de ternura me amainou,


M. Sou, com gosto e engenho, sempre hei-de ser,

De um só rosto e uma só Fé, Portuguesa sou

Até morrer…do antes quebrar que torcer


Que Sá de Miranda me perdoe a sina,

Deste rimanço sem rima…

Mas …comigo me desavim,

Neste escrevinhar sem nexo de mim!


terça-feira, 13 de novembro de 2007

Uma Professora...

Como podem ver no meu perfil, sou Professor e dos tais titulados, ministerialmente falando. È curioso, que vai para quase trinta anos de carreira e quase outros tantos de reflexão sobre a minha profissão, o ter agora filhos adolescentes e ser Encarregado de Educação me tenha feito uma confirmação do que se confirmando foi, acerca da minha classe (palavra perigosa). E o que fui constatando e continuo a constatar na docência, é que desejava ardentemente ter visto claramente visto, mais do bom que vou vendo e muito menos do mau que vou enxergando. Talvez, numa postagem futura me dedique mais a esta temática, porque a de agora é do Bom, do Melhor dessa mesma classe, e de uma homenagem a uma docente que recentemente se Jubilou (não gosto do termo reforma, pronto!), que por acaso era Professora da minha filha e que por acaso, a única até hoje, por quem a minha filha chorou e que a marcou profundamente. Homenagem, não como colega de Profissão, mas sim como Pai, que muitas vezes ouviu da filha M. esse sopro de liberdade, de inteligência, de cultura que eram as aulas desta docente.
No Alexandre Herculano do Porto, uma Professora de Filosofia a receber a “ordem de despacho” e pancadinhas oficiais nas costas do estilo, gostamos de a ter ao serviço – Vá lá à sua vida – e uma turma de “putos” adolescentes a comoverem-se na sua ida, no seu partir, e ela a comover-se com Eles, que a guardaram, preciosidade no lado bom do coração. E uma filha descoroçoada de tristeza, quase sentimento de “orfandade” pela sua partida. Sentada no sofá, cabeça enfiada nas pernas, naufraga de perda e já saudade. Ia perder a sua Professora de Filosofia, a única que a marcou, qual ferrete gravado a fogo de afecto, como o tinham sido duas Professoras no 1º Ciclo e uma outra no 2º e 3º Ciclos. Mais ninguém! Como afirma de alguns seus pretéritos Professores, vai-os esquecendo, de outros, quer mesmo esquecê-los e…ela lá saberá porquê! Comovida até ao âmago de uma alma adolescente, e eu comovido nela e por ela, e sei bem porquê, mas não digo! Comovido, mas feliz, pela afectividade sensível e crítica da minha M. e pela Professora de Filosofia que se calhar nem saberá (ou saberá?) que página escreveu no livro interior da minha filha!
Depois de um abraço profundo, consolei-a, apontando-lhes os dez dedos da mão, dando-lhe a entender que chegavam e sobravam para os Professores que me marcaram profundamente ao longo de toda a minha vida de aluno. Sorriu, já sabia, conhecia o nosso código de creditação docente!
Da colega jubilada, apenas um fugidio conhecimento de minutos, nas matrículas de Junho, mas o estilo de aulas de Filosofia contada por M cá na Tribo, daquelas a apetecer, a partir à desfilada do conhecimento e do crescimento, como devem ser as aulas de Filosofia (ou todas?). Do afecto e trato dócil, mas firme com os alunos, a humanidade em pessoa, e sobretudo, a humildade socrática do seu saber filosófico que nada sabia, sabendo muito. Assim uns dias antes, resolvi escrever-lhe uma carta de reconhecimento profundo como Encarregado de Educação, o que talvez possa parecer pouco ortodoxo, mas que em legitima defesa, se foi impondo dentro de mim, quase como “Allegro com Brio” . Aqui vai pois esta carta, como símbolo de homenagem a uma Grande Professora, que de certeza sabe que valeu a pena Ser, e caminhar sempre no caminho nunca atingível de ser quase uma boa Professora, como me ensinou um dos meus primeiros mestres da docência, Sebastião da Gama!

“Ex.ª Sr.ª PROFESSORA: M.C Venho por este meio e à maneira antiga, agradecer-lhe todo o trabalho, empenho e paciência que teve com a minha filha, M. ao longo deste ano e tal que ela teve a sorte de a ter tido como docente! E sobretudo, como Encarregado de Educação quero-lhe manifestar a minha profunda alegria e gratidão por ter a ajudado a M. a crescer, a tornar-se mais consciente, mais crítica, mais reflexiva, mais sensível, mais humana, em suma. E nem podia ser de outra forma, ou não seja a Professora M.C docente de uma das disciplinas/ formas de conhecimento mais fabulosas que conheço – a Filosofia, e a M. adorou e adora Filosofia. E mais…ainda…e não menos importante para mim, como Encarregado de Educação, pelo que a M. sempre me contou: Obrigado por ter transformado as aulas de Filosofia naquilo que elas formam para a M. – Janelas Abertas em Si, para Fora de Si! Espaços de Liberdade de pensar, de beber palavras, transmudando-as em fontes de…, fazendo-a duvidar, ter certezas - incertas, ânsias de saber! As suas aulas, muitas vezes… céus, por onde a minha “Icarozinho” M. voou em liberdade e isso foi bom e isso se calhar, bastou-lhe!
Obrigado pois, por não ter transformado a Filosofia, e sobretudo as suas aulas, em exercícios monódicos, implacáveis e fastidiosos de tédio, de lugares-comuns, de conformismo reaccionário de aceitações, de saberes embalados prontos a serem consumidos! Obrigado por ter sido Humana, Sensível, e ter olhado a M. e os seus alunos, não um número de pauta, ou de ordenação de lista nominal, mas como Mestra, Companheira de jornada!
Tenho pena que se Jubile? Sim e Não! Merece-o sem dúvida e o rastro – lastro que deixou na M., e cá na nossa Tribo, é como cauda de cometa – agarramo-nos nele como sonho, como memória, como coisa boa de guardar no lado bom do nosso coração! Ex.ª Sr.ª Professora M.C, a Sua simpatia, a Sua humanidade, o Seu saber que nada sabia, sabendo bastante, cativou a M. e cativou-nos pela forma de cativar a M.! Agradeço aos deuses, ter sido Professora da Minha Filha, agradeço-lhe comovido por ter sido sobretudo UMA PROFESSORA …SENDO!
Na sua “Jubilação” um muito Obrigado de Júbilo, do Encarregado de Educação da M “

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Porto Menino de Ternas Brincadeiras

















O Pião
Estava assim, que se lhe havia de fazer? Única e irrepetível, a infância de cada um, trampolim do que se é para o que se vai ser, sem nunca deixar de ser o que se foi. Sentia cada vez mais esses momentos de maré-alta a ancorar nele e isso era bom! Da sua infância a aprendizagem da relatividade do que se sabe ou conhece, a recusa do monolitismo interior, a saudade de um tempo real, concreto, que se vai esvaindo, substituído cada vez mais pela virtualidade do tempo, a realidade corpórea dos objectos substituída pela imagem imposta deles, a pureza aqualina das sensações, pela impostura dos sentidos. Brincadeiras de Rua…sim!

A………..anda co…mer! Ouvia o grito voz potente de soprano da mãe a chamá-lo para o almoço ou jantar, aviso da chegada do pai. Distinta a sua voz, apesar de muitas vezes outras maternais vozes rivalizarem com a sua, fossem sopranos , mezzos , ou contraltos. As vozes das mães das ruas do Porto, inconfundíveis! Gritos de ternura, ralho, aflição, mas aconchego quente de toque a recolher! Bastava um grito-chamada de uma e o milagre polifónico acontecia…em espaço de minutos as chamadas repetiam-se. Mas como obedecer, se a sua equipa de menino estava a perder, se a “sameira” estava perto da meta, se a mão certeira daquele dia virava “Vitórias” como quem água-bebe? Brincadeira de menino é coisa séria! Sabia que o inevitável chinelo de pneu, faria o seu safado trabalho, sabia que lá viria a maternal e estafada promessa do logo ou amanhã, não sairia, mas também sabia que, no castigo, muita promessa de mãe não se cumpria! Brincadeiras de rua sim! Por épocas, a maior parte das vezes. A época do pião era intocável, sagrada. Era pião, era pião! Havia no menino de rua do Porto, o respeito devido ao pião de época, jamais ao puto “morcão” que aparecesse com o pião fora de época. O merceeiro João, os soleiros da Rua Cimo da Vila, os comerciantes de ferragens das ruas das Flores, ou do Mouzinho, esforçavam-se por mostrar a sua mercadoria e, gabar a qualidade dos seus piões. Mas menino de rua do Porto sabia a qualidade de pião, ai se sabia! Um ano ou outro, em assembleia magna, lá se decidia que os piões de um lojista eram uma miséria e, boicote aos mesmos! Piões não eram iguais, não senhor! Pareciam iguais, mas não eram! Uns…eram uns “panascas” delambidos, sem garbo no girar, outros de bico rombo, nem giravam, maneavam-se bêbados. O que os esperava era ter uma vida curta. A condenação da miudagem era terrível! Iriam servir de piascas, suprema degradação de um pião! Amochar no centro de um círculo, e levar “quecas e mais quecas”, até serem atingidos na zona vital e racharem ao meio! As piascas também se compravam, mas para poupar o pião “olhinhos da nossa cara”! Quando era a vez do desgraçado amochar, lá ia a piasca para o castigo. Durou pouco este hábito, porque meninos de rua em assembleia da mesma, decidiram eliminar substitutos. Menino que era homem “tinha-os no sítio” e punha o seu belo pião à sorte da pontaria e engenho dos outros! Com que olhos sôfregos e argutos menino de rua do Porto pesquisava os piões nas lojas! Um, dois, cinco, dez em cima do balcão…olhos gulosos no verniz, no bico…e os “pulhas” uma tentação! Desespero do lojista…”rais partam a canalhada, mer…, decidam-se! Julgam que não tenho mais nada que fazer?” Vontade de roubá-los…arriscado! Por fim, aquele luzidio, pouco envernizado, sem rastos de veios na madeira, fatal para um pião e, sobretudo de bico afilado, “ponta-de-lança”. Tinha de ser um pião “ponta-de-lança”! A faniqueira de fio de estore era à parte e ao metro, embora houvesse “artistas” que preferiam corda da cordoaria de Mouzinho da Silveira. O dinheiro, ou tinha sido surripiado do porta-moedas da mãe, ou fruto da transacção de “Vitórias” ou cromos de futebol, quando não o era, para risada geral, do aldrabanço de algum “camelo da mamã” da escola primária. O pião comprado, o pião na mão. O senti-lo, acariciá-lo, sentir-lhe o bico frio, mortífero, as primeiras experiências na terra ou no cimento da rua, a verificação dos buracos em ambos os terrenos para nos certificarmos da esperteza da escolha, que não havia trocas e, prontos para o “quem vai à guerra dá e leva”! O tempo, impiedoso para os piões, mesmo os melhores! No centro do círculo, durante horas eram massacrados com “quecas” terríveis que lhes iam desfigurando a face bojuda primeiro, o corpo esguio depois! Por vezes, nos olhos dos meninos de rua que tinham o seu pião no “mocho” liam-se pensamentos: “vais falhar filho da pu…!” Falha cabrão”! Mas muitas vezes não falhavam, porque havia Grandes-Mestres do Pião, que certeiramente lhe iam tirando meses de vida em tortura lenta. Não por caridade, mas por falta de dinheiro, aos primeiros sinais de velhice, acudia-se ao desgraçado, pintando-o de uma cor ou de várias, mas aquilo era pintura de esconder mazela e, no próximo encontro no terreiro, ao fim de uma hora, até metia dó olhar para ele! Truques para lhe prolongar a vida, menino de rua do Porto sabia muitos, mas a sua morte próxima era inexorável! A parte de cima era cravejada de “punaises”, carapaça amortecedora da violência dos bicos, o bico era afiado em parede de granito ou com lima de ferro, debalde, o tempo e as agruras da vida tinham-lhe traçado o destino…ou o lixo, ou a rachadela libertadora da agonia! Ninguém guardava pião de um ano para o outro, ninguém! Quem guardava pião, só podia jogar “à menina, em lançamento por baixo”! Os meninos de rua do Porto jogavam à “homem”! Mão bem levantada no ar, grito de guerra “ lá vai aço!” e…zás, com estrépito batia no concorrente ou ao lado, mas mesmo aí, eram suficientemente lestos para o enganchar na palma da mão a rodopiar e ainda ir “molhar a sopa” no pião que no chão, depois do primeiro embate, julgava ter escapado de boa! Raramente se falhava, raramente um pião girava de “cu para o ar”, vergonha suprema de um verdadeiro lançador! Fosse a variante do pião amochado a girar, ou imóvel, era com gana, com ardor que se procurava atirar o peão concorrente para fora do círculo, sob pena de quem não o conseguisse ir para o castigo. Meninos de rua do Porto, meninos de pião e faniqueira, iguais nas vergonhas e alegrias. Cada marca-mossa nos piões era sinal de derrotas ou vitórias, mas ao mesmo tempo de se pertencer a uma rua, a um grupo, a uma irmandade. Mesmo no momento supremo que era o do “escacar” de um pião, terrível, pelo vexame do desgraçado dono, durante dois ou três dias, sabia-se que chegaria a vez de cada um. O lançamento, a “queca” no sítio mais sensível -o encaixe do bico, o som abafado de algo a rachar, a madeira a partir-se ao meio e o bico de rosca sem pudor, à mostra, nu, como o metalúrgico o pôs no mundo! Era o afogueamento, ou a cor do branco das paredes, para o infeliz dono, a humilhação suprema de um menino, acentuada pelos gritos de alegria e gozo dos outros que acentuavam ainda mais a ignomínia! Chorava-se de vergonha, de raiva, mas dois ou três dias depois, saboreávamos o lado dos vencedores!

Outras brincadeiras de rua sim! Como chegava, a época do pião partia mansamente, sem alarido, mas logo outra brincadeira se impunha, ligada ás férias, à Volta a Portugal em Bicicleta. Era uma época que eram duas: as das “sameiras-caricas” e as das bicicletas em arame. Mas isso…
© Existente Instante

À laia de Apresentação...

Quase sempre contra os blogues. Apenas aqui e ali, uma olhada fugídia e muitas vezes enfastiada a alguns e chegava. Uns, muitos, penosamente "light", charoposos, cor-de-rosa, outros, não poucos, verborreia intelectual pura, drástica e dramaticamente elípticos, temáticos por estreiteza conceptual, ou exercícios monódicos de pedantismo cultural em alto grau.
E agora, inexplicavelmente, na crise de algumas "vacas magras" da blogosfera, eu, neles, sem grande capacidade para dizer dos porquês. Talvez vontade de me ir contando nas canseiras-afagos do dia-a dia, talvez, no meu suave declínio o ir colocando alguns travões pela linguagem da escrita, lendo-me mesmo que ninguém me leia, porque como a Gabriela , nunca temi a impostura da língua.
Assim, alguns textos sobre tudo ou nada, sofre fractais, sobre instantes existentes, sobre esculturas talhadas a escopo no dentro de mim para sempre. De tudo e de nada, no meu ir sendo nada e tudo.
A ver vamos se estas travagens são suaves ou me estatelo completo no ridículo da coisa.