
Cinco horas da tarde. Os senhores do Jardim olham-me com espanto ou anseio de qualquer alimento.
Está frio, aconchego o cachecol, levanto as abas do sobretudo, coloco as mãos no bolso. Distendo as pernas.
Olho de olhar alongado para um rio profundo, lagunar, que me observa.
Estou só, completamente só. Estou bem.
Ouço o arfar compassado da minha respiração em dó menor ao som do Stabat Mater de Pergolesi, cantado por angélica voz de contratenor.
Começa a ser comum perscrutar o silêncio que habita em mim, ou por problema de habitação, o que vai sobrando de mim no silêncio.
Estou só, profundamente só. Pleno, comovido a leste de mim, que para minha perdição – salvação só me encontro na bússola do cá dentro.
Um frágil ramo de tília desnudada observa-me. Sorrio-lhe e a brisa abana-a como se treme.
Esvai-se a tarde em horizontes laranja. As primeiras luzes-candeias tremeluzem do lado de lá. Convoco-as para o meu lado de cá, companheiras de entardecimento.
Estou só. Profundamente só. Envelheço com a tarde e estou bem.
Preciso destes amplexos de serenidade para ser feliz.
Despeço-me deste escuro verde-musgo com um sorriso aos bancos vermelhos. Aceno-lhes por dentro, e , no seu vazio de ninguém, vislumbro promessas pacificadoras de outros entardeceres.
Com o fim da tarde envelheço e estou feliz. Talvez Ele andasse por ali, de certeza que andou por ali, hálito profundo de vida…
Talvez. Resolvi fixá-lo com a minha Pelikan no meu moleskine .
Caminho arborizado e noturno entre as áleas. Uma nesga de lua espreita-me. Algumas raízes de mim ali ficam.
Envelheci com a tarde.
Não me importo, gostamos.