sábado, 31 de maio de 2008

Pode um homem...


Diário de uma página do meu hoje


É possível, pode, a angústia de um homem ser tão imensa,oceânica,que ponha maré vazia sua praia adentro?


Pode um homem chorar diluvianamente para o dentro d’ele, que só reste secura de deserto para o seu fora?


Pode um homem rezar “insacrílego” como Ele em Getsêmani ? “ ...E começou a experimentar pavor e angústia. Ele lhes disse: “Minha Alma está triste a ponto de morrer. (...) E indo um pouco mais longe, caiu por terra e orou para que , se possível esta hora passasse longe dele. Dizia: “Abbá, Pai, tudo te é possível, afasta de mim essa taça! Entretanto, não o que eu quero, mas o que tu queres!”. Mc 33,36


Pode um homem no seu apelo de silêncio, gritar tão alto, que Ele o ouça?


Só os Meus Filhos e Ela que em amor mos deu para sentir o quão incompleto sou, na minha pretensa aspiração ao completo. Só eles, para me reduzirem à minha mais completa insignificância-grandeza de os amar na proporção que sou amado. Por isso não consigo ser forte quando fragilizado estou, por isso, da minha e das deles, fragilidades, o recomeço incessante neste acto tão profundamente límpido e misterioso que é a vida.


Escrito neste blogue não sabendo porquê, embora me seja necessário como a respiração de escrevê-lo. Aqui, estilhaçado de mim, a tentar apanhar os bocados vítreos da recomposição, depois da minha “Trancinhas” ter sido submetida a uma delicada operação neuro cirúrgica no S. João.

El Greco- Agonia de Jesus no Horto

sexta-feira, 23 de maio de 2008

AMAR...DREYER


Por vezes é obrigatório ser assim. Sem mais. Uma espécie de “vá para fora, cá dentro” porque sim. E o cá dentro deste alargado fim-de-semana foi o revisitar de Carl Theodor Dreyer e os seus “Gertrud “, e “Dia de Cólera”, bem como o magnífico documentário de de Torben Skjodt Jensen “ Carl Dreyer- O meu Ofício”. E só o não foi mais, porque o “Ordet” ( A Palavra) e “La Passion de Jeanne D’Arc”, já foram tantas vezes amados de olhar, que até tenho vergonha de dizer quantas.


Dreyer consegue emoção no eu de mim, o que não é pouco, pois o riso e o fastio da banalidade e mediocridade, não raro esbarram no filtro que impus no aproveitar do tempo. E vou sendo um polícia da minha temporal qualidade de aproveitar esse grande escultor, enquanto ele vai de maço e escopo talhando veias em mim.Envelhecer pateta e pateticamente, nunca.


Assim, Dreyer e a Fé, a sua serenidade inquieta, a seu arrastar interior de sentimentos contraditórios, as suas dúvidas da incomunicabilidade das almas, o isolamento existencial ou a solidão primária da existência, o amor, ou sonho feliz dele, mas também a renúncia como forma de salvação, a memória como sonho ausente-presente, e a esperança, mesmo no abandono de si, interrogam e interrogam-me como olhar atento e sensível. Temas tão actuais hoje como ao longo das décadas de filmografia deste grande realizador dinamarquês.


Numa época de tanto “detergente” cinematográfico, de tanto “ low-kick” cinéfilo, de tanto efeito especial para especialmente enganar olhar e sentido de espectador, de tanta imagem por segundo vulgarizada de cinema de Centro Comercial, Dreyer, é-me essencial na minha arte de respiração, como o são Visconti, Bergman, Rossellini, Antonioni, Fellini, Max Ophüls, Kazan, Renoir, ou Allen.

Pronto...gostos não se discutem. Mas pelo menos, deixem-me rir levemente deste ditado.

DE GERTRUDE

(Entra Axel Nygren (amigo de Juventude))

Gertrude: - Aqui vivo como uma eremita, esquecida, apagada. È assim que me convém. Preciso de solidão e liberdade.

(Axel e Gertrude sentam-se num banco de madeira. Ela pega-lhe ternamente na mão)

Gertrude : - A nossa amizade sobreviveu ao tempo (30-40 anos)

Axel: - Uma amizade que nunca foi amor.

Gertrude: - Mas tu foste para mim um grande amigo...

Axel: - Ainda és jovem, a tua pele é branca e lisa.

Gertrude: - Vou ter mais rugas e a minha pele empalidecerá!

(Ela entrega-lhe as cartas que ele lhe escreveu ao longo dos tempos, e ele queima-as na lareira)

Axel: - Nuca pensaste em escrever um poema

Gertrude: - Só um . ( Lê-o)


“ Olha para mim.

Não sou bonita pois não?

Vê-se. Mas Amei.


Olha para mim.

A Juventude evaporou-se?

Claro. Mas Amei.


Olha para mim.

Estarei ainda viva?

Não. Mas Amei."


Gertrude: A Gertrude com 16 anos escreveu um verdadeiro Evangelho de amor.

Axel: - Lembras-te das tuas palavras : “ A única coisa que importa na vida é amar, amar e nada mais” . Continuas com a mesma opinião? Não estás arrependida de nada?

Gertrude: - Mantenho o que disse. Não me arrependo de nada. Nada mais há na vida do que a juventude e o amor. Axel, um dia às portas da sepultura, debruçar-me-ei sobre o meu passado e poderei dizer a mim própria: sofri muito, enganei-me muitas vezez, mas Amei.

Axel: Pensas muito na morte ?

Gertrude: Já encomendei a minha sepultura e até já tenho o epitáfio.

Axel: O teu nome, suponho?

Gertrude: Não. Lá só escreverão duas palavras : “ AMOR OMNIA” . O Amor é tudo. Sim, o Amor é tudo. E dise ao jardineiro para não plantar nada, só erva. E na Primavera nascerão anémonas. Se passares por lá, colhe uma e pensa em mim e considera-o como uma palavra de amor que foi pensada e nunca pronunciada.

É melhor ires...


( tradução livre de um dos diálogos do filme. Protagonista: Gertrud- Nina Pens Rode)

(Como sempre, ou quase sempre o grande cinema e, neste caso Dreyer, pode ser adquirido em DVD, na excelente "Costa do Castelo Filmes")

sexta-feira, 16 de maio de 2008

MimEu



Comovido, fixo-te menino de mim no que fui, sou

Não me consegues enganar. O mesmo sorriso, a mesma ânsia d’olhar

A mesma boca aberta ao fascínio da respiração

Fina tessitura te reúne ao meu eu uno e disperso

Acompanhas-me desde sempre na criança que fuisou, intemporal, por isso

Assim envelheço sem pressas, conduzindo-te criança de mim em suave declive

Por caminhos, veredas, marítimas enseadas, campos sonhados de papoulas

Fui...Sou...Eu...Mim no tempo que flui , Existente Instante que nele flutua

Ecce homo.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Doce (nte) Aprendizagem


Lembro-me dele .


Lembrar-me-ei sempre com nitidez cristalina! O Bento!


Ano lectivo de 1983-84, Celorico de Basto, no meu período de Professor "Vá para fora cá dentro! "; dois anos de um contrato plurianual de "roupa limpa de ida e roupa suja de volta", como Professor provisório de Português e História.


Foi aí que o conheci , ao Bento. O Bento era um miúdo de 11 anos, olhos expectantes, curiosos, ávidos de conhecer, louro, ladino, em suma, um "puto giro", entre aquilo que poderei definir, estilo "menino Jesus" ou como costumávamos chamar na minha Sé do Porto, a miúdos como ele, estilo, "caga-tacos". Nas aulas uma atenção extrema, por vezes, a boca aberta de espanto à novidade da aula de História do 6.° Ano, uma admiração vidrada nos olhos pelo seu Professor do Porto, que lhe trazia o sonho da cidade que ele nunca tinha visto, como nunca tinha visto o mar.


Raramente participava e quando o fazia, empinava o tronco, esticava o pescoço como que a ganhar importância e disparava a resposta ou a pergunta "traiçoeira", como aquela que me fez com vozita esganiçada, desafiadora, com trajeito celoricense , acerca de um qualquer gráfico de pluviosidade " Ó Professor, antão chove em milímetros ?? ".


O Bento, que no inverno cheirava a lenha, que durante todo o ano apresentava as unhas negras da terra que amanhava com o pai fora das aulas, que nos cadernos era difícil distinguir a caligrafia das nódoas, mas que sorria, de um sorriso estranho, mas belo: era um sorriso radioso, solar, mas suave, tão diferente de outros dois sorrisos com que mais tarde me vi confrontado, sorrisos "bovinos" ou "amanteigados" !


Um dia ao escrever o sumário no quadro, reparei num esgar de dor no seu rosto ao tocar com a mão esquerda no rebordo do quadro. Que não tinha nada! Que era uma "feridinha" num dedo! Um pano, que só a muito custo, posso chamar pano, já que farrapo é uma expressão mais apropriada, uma cor indefinível, entre o negro e qualquer coisa que já foi branca, envolvia o dedo indicador esquerdo do Bento, que parecia ter outro dedo dentro, pelo diâmetro. " Foi a segar palha para o gado, mas o meu pai, diz que não é nada e a minha mãe pôs-me este "penso"".


Oito dias com este "penso" e os meus piores pressentimentos a tomarem forma: uma enorme infecção a alastrar naquele indicador do Bento! Quis ver, mas pareceu renitente, depois deixou desamarrar o nó que envolvia o farrapo. Quando lhe toquei o dedo,ouviu-se um ai abafado, logo seguido de "não foi nada!". Um dedo? Uma batata amarela e branca de infecção e pus, um golpe entreaberto de cerca de 3 ou 4 cm! Mandá-lo ao Centro de Saúde ? Fazer aquilo que me estava a mandar o coração ? já tinha tirado um curso de "primeiros socorros de humanidade" no Marco de Canaveses, no serviço militar, em Nelas, continuar a prática ali, algo me ordenava! Não era enfermeiro, não era médico—mas era Professor a fazer a aprendizagem de ser humanidade em gente! " Vou-te fazer o curativo, mas isto vai doer, Bento ! " . Olhou-me entre surpreso e ofendido, por eu duvidar da sua qualidade de Homem : " Eu não tenho medo! Era o que faltava, não sou nenhum "cachopo" ! ".


Chamei a funcionária para me informar da farmácia da escola. Que não havia, ou melhor, havia, mas era como se não houvesse, porque não havia nada...alguém tinha...tinha acabado! Percebi! Puxei da carteira, tirei não sei que nota, e mandei um aluno à farmácia no centro da vila buscar álcool, água oxigenada, tintura, algodão, gaze,ligadura, pomada cicatrizante. Era perto e o miúdo voou! Na mesa do professor, eu, o Bento e a parafernália curativa. Na turma a estupefacção, misturada com o mistério e admiração." Vamos lá Bento, coragem! " . Riu com benevolência! Ao primeiro aperto do dedo, o que aconteceu, não posso contar por decoro higiénico, apenas e só, que a minha gravata e casaco ficaram estilo "arte moderna" , um pouco à pintura de Jackson Pollock! Continuei o "torniquete" até o dedo do Bento ficar com um tamanho aproximado de um dedo indicador! Então, de soslaio, reparei que o Bento se tinha virado para o quadro e sem um som, deixava correr as lágrimas de dor, para a Turma não ver o "cachopo" que queria ser Homem chorar! Fiz-lhe uma festa no cabelo louro e crespo. Fungou e esboçou um sorriso! Continuei o tratamento até o Bento ter um curativo bem bonito, ou pelo menos, uma dedeira de ligadura e adesivo, bem como um rosto seco de homem outra vez- que ali naquela terra ainda era assim!


Imaginam os leitores o resto desta história ? Claro! Nas aulas subsequentes, a primeira coisa que o Bento fazia quando entrava na minha sala era levantar o dedo e dizer:" Professor, olhe o dedo!" " Professor não se esqueça do curativo!". E as aulas de História começavam com dez minutos de enfermagem e, todo o tempo do mundo de risos e felicidade! E o dedo do Bento foi melhorando, até só ficar um fio de recordação- cicatriz que fechou uma ferida, mas que abriu corações em ternura!


Tornei-me o ídolo do Bento. A sua alegria quando me via, era proporcional à minha pelo seu sorriso e força de vida! Certo dia, à minha espera na porta da sala de professores quando já tinha tocado para entrar. " Olá "segador", estás bom?". Bruscamente arranca-me a pasta. "Por favor, Professor, deixe-me levar a pasta?!". " Dá cá isso, pá!" - atirei , mas já corria pelo corredor, rindo,como só aquele "filho da mãe" sabia rir, tendo ainda tempo para um " Não dou, e não seja mau! ". Percebi então que aquele puto me queria agradecer do fundo da alma dele, a minha atenção o meu simples gesto, o ter gostado dele, o tê-lo olhado como gente e, aquilo era a sua paga, o seu acertar de contas, a sua partilha de ternura. Ali não havia "graxa", nem subentendidos, havia uma pureza de sentimentos, um "gosto de ti Professor!", que se consubstanciava num gesto: o levar-me a pasta para a sala nos dias das aulas de História. A turma sabia, a turma aceitava, era a pasta do Bento que lhe pertencia por natural direito!


Mais tarde, na minha vida de Professor, outras dádivas de gratidão tive por parte dos alunos, principalmente em Recarei-Sobreira, mas isso, poderá ser objecto de outra crónica. Por onde andarás Bento? Terás ainda a cicatriz no dedo? Que curativo fiz na tua alma? Sabe, que me ajudaste a crescer, e hoje nesta escola de subúrbio onde trabalho, não há dedos a curar nos meus alunos, há sim em alguns,feridas profundas d’ alma e, essas não se curam com álcool, nem pomada, porque muitas vezes fecham com o mal lá dentro e é tão difícil tratá-las!


(Existente Instante)

quarta-feira, 14 de maio de 2008

LÍNGUA DE SILÊNCIO

(Blue Velvet)

LÍNGUA DE SILÊNCIO


Respiro este maravilhoso, estranho silêncio...

Sinto que me fala uma linguagem marítima e sensual.

Amo-o com os olhos carregados de chegada lonjura,

aspiro-lhe o cheiro acre e forte, feminino...

Ouço-lhe a voz ondulante de melopeia infantil,

Liquefaço-me de sonho para o amplexo desejado...

Refreia o meu desejo com a sua canção terna e ritmada do desfazer-se em espuma...

Um grande amor não se possui...

espraia-se suavemente em marulhares sucessivos de marés!

O meu coração sonda o seu silêncio sussurrante...

Capto a melodia "sou de quem me quiser amar no afogamento cego de mim!” .

Que sim...menino líquido que sempre fui !

Sorriu-me...

Uma onda mais rebelde veio selar o nosso pacto de amor

para sempre.

(Existente Instante)

quarta-feira, 7 de maio de 2008

VAMOS CONDUZIR UM FERRARI?!

A mesma turma do 8º Ano. Asas, asas para voar e eles voam! Há quem diga, que é como se lhes dessem um "Ferrari para as mãos" e eles não o sabem conduzir! Há colegas nossos quem nem Smart!
Ensinem-lhes com paciência, a eles, à miudagem e vão vê-los a conduzir!
Um trabalho realizado por um grupo de seis alunos desta turma sobre a Irlanda, a ser apresentado à escola na próxima Sexta-Feira Dia da Europa. Estão todos vaidosos e eu vaidoso por eles, pelo seu trabalho e pela alegria de os ver "conduzir"!
Já agora...que tal uma Guiness a ler Yeats acompanhado por música dos Dublinners?

segunda-feira, 5 de maio de 2008

E...ESCREVERAM

Reis, palácios, pessoas vestidas a rigor, formalidade, cortes, luxo, elegância, o Universo debaixo dos nossos pés, verde e amarelo, classe, valor, ironia, entrada, nível, tudo a dançar, festa, medo, poder, majestade luz, confiança, força, contentamento, campestre, brilho, cores, espelhos, água a jorrar.

Lully, Marche pour la Cérémonie des Turcs da Ópera Le Bourgeois Gentilhomme


Melancolia, tristeza, ilha, lonjura, ondas mansas, estrada sem ninguém com curva ao fundo, lágrimas, sossego, serenidade, paz, envolver, paixão, perda, ida, humildade, história infeliz, chuva, floresta, delicadeza, mal-estar sem fim, tragédia, solidão, luto, Igreja, escuridão, sofrimento, algo muito forte, recordação, um pato de assas brancas num rio negro fugindo do perigo, mesmo sabendo que vai morrer, calmaria, sombra, coisas que já passei, dor de alguma coisa, caminho longo Albinoni, Adágio



Tenho uma lágrima para te dar, quero-te fazer uma festa, deixas? Queria tanto perder-me no teu olhar! Bem estar interior, tranquilidade, céu azul e brilhante, areia, mar calmo, árvores cheias de frutos, jardim sem fim, bela adormecida, história de amor, mão dada, vestido cor-de-rosa, arpa, vem comigo, vamos fugir, vamos ser felizes noutro lugar, príncipe e princesa, borboleta, formiga, campos, paixão escaldante, amizade, praia cheia de gente e eu em solidão, pensamento, jardim de suavidade, para ser sincero, encontro, mais vale só do que mal acompanhado, macio, meiguice, lentamente, cor-de-laranja, uma história para contar, verde, fresco, embalo de bébé, quando uma mulher dá à luz e Vê o filho pela primeira vez, um favor, descanso, um adeus, amanhecer, um dado a balançar Bach, Concerto para Cravo BWV 1056- “Largo”



Praia deserta, amanhecer, quero ser arquitecto das estrelas, Mãe, Pai podemos conversar?
magia, grinalda em cabeça de mulher, família de veados, rios, duas cores misturadas, casamento, dourado e branco, passeio pelo campo de flores amarelas, crianças, atenção, fim feliz, encanto, nuvens, alturas, aconteceu, apareceu algo, fascínio, suspense, levantar, despedida, perda, nem triste nem contente, verde-castanho, emoção, momento especial, beleza de castelo, lembra cor azul, leve, leve, alguém que nos deixa sem palavras, surpresas, pedido, amor escondido, breve adeus, perdoas?

Pachelbel, Canon em Ré


E escreveram mais sobre Charpentier, sobre o Aleluia do Haendel, sobre a Primavera do Vivaldi.Mas mais não digo, guardo no meu arquivo lado bom do coração.

(o trabalhinho sobre Bach é "meuzinho", com interpretação desse genial Gustav Leonhardt)

PORQUE NÃO...

Acontece. No caminho apeado para a escola, numa quarta-feira. Uma turma normalíssima,uma aula de Estudo Acompanhado de reforço da minha disciplina e da unidade didáctica sobre o Barroco, que também sou “filho de Deus”, e esta área curricular não disciplinar não pode ser só suplementos alimentícios de Inglês ou Matemática, ou outras disciplinas, deixando humildemente a minha para calendas gregas. Enriquecimento musical depois de nas aulas de História terem visto filmes e photo story sobre a arte barroca, até porque nunca deixo passar nas minhas aulas a importância da música como reflexo de uma época, de um quotidiano, de uma expressão histórica.

Assim no Creative, uma selecção pedagógica e conhecida de música barroca, que ia desde os conhecidos Vivaldi e a Primavera da Quatro Estações, Albinoni e o seu Adágio, o Cânon de Pachelbel, Lully, Charpentier do Te Deum, o Delalande, Bach, Haendel. Por segurança, um CD, não fossem as minhas colunas amplificadas falhar (como veio a acontecer - ah! A experiência de anos feita!) e mais umas imagens, para num diaporama lhes mostrar que as características gerais da arte barroca também se podiam aplicar à música.

Tudo “como manda a lei” , bem esquematizado na minha cabeça, sem grelhas, nem “timings”, nem previsões de reacções, porque “burro velho” ainda aprende, e sensibilização na aula de História à audição de música tinha sido feita com calma, entusiasmo e humor. Depois, depois, um sorriso interior pela lembrança dessa cena terrível e perturbadora do “Blackboard Jungle” – “Sementes da Violência” em que os alunos destroem a grafonola e a preciosa colecção de vinis de Jazz do Professor que tão amorosamente procurava cativar aquela turma. Sorriso, porque agora os meus alunos mesmo que quisessem mimar, iam ficar aflitos a procurar os Monkeys, os Ogg Vorbis, os Mp3 e mesmo saber onde estava o Creative de tão pequeno que é. Depois ainda, sendo Professor, sou um “destruidor implacável”! Gosto de destruir certezas feitas, ideias pré-concebidas, formatações de gosto. Assim iria ser música barroca e pronto. Depois poderia discutir com eles porque não gosto mesmo nada do Tom , do Bill , do Gustavo e porque gosto de outros “hotéis que não em Tóquio”. Zangadas elas, felizes eles, mas ambos surpresos por um “Prof”, saber quem eram os “bicharocos” um pouco andrógenos que elas tanto gostam e eles tanto odeiam ( ou fingem odiar)! Iria ser Bach, Vivaldi, Haendel, etc. (que acharam pelo retrato terrivelmente feios) e depois falaríamos.

E no caminho para a escola, entre o meio acordado e a “cama atrás”, a ideia. Mandar às malvas o planeado! Porque não!? E se eles reagem mal? E se recusam? E se aquilo se transforma numa galhofa universal? E não seria ridículo? Bem, uma vantagem…os dois primeiros tempos da manhã em que o motor de arranque de muitos alunos por muito que se manivele, tarda a carburar, seria um ponto a meu favor.

Início da aula, aparelhagem pronta, sensibilização feita e, na decisão da caminhada, nada de imagens a ilustrar a música. Seria a música a ilustração de si própria. Depois um pedido e a surpresa geral. Querem experimentar uma coisa? Porque não deitar a cabeça entre os braços e deixar a música que vão ouvir fluir pelos vossos sentidos? Porque não tentaram “sentar-se” na melodia e deixarem-se ir à desfilada, à aventura, ao sonho? Porque não conversarem com ela, deixar que ela vos diga alguma coisa, algum sentimento, alguma ideia, imagem? Porque não? E depois…depois, porque não, no fim de cada trecho musical, escrever sobre. Sobre o ouvido, o sonhado, o dialogado, a imagem, a conversa interior? A maluquice, o sem sentido do sentido? Não levantam mesmo a cabeça enquanto o extracto de música estiver a tocar, okay? Podemos dormir? E se adormecermos? Questionaram alguns - Tudo bem, podem dormir na aula! Riram. Tentamos? E o Prof O que faz? Também podia fazer o mesmo que nós! Porque não? Mas não preciso de deitar a cabeçorra, senão dormia mesmo.

E aconteceu ! O quê? Escreveram e do bom e do bonito! E gostaram! E no fim, vários alunos: O Prof, pode gravar-nos este disco? Depois...depois fiquei feliz e prometi-lhes escrever este post.

Agora andamos às voltas e maravilhados com a música da Irlanda e o Dia da Europa: Eles são... Os Corrs, Os Cranberries, a Sinead O’Connor, The Dubliners, Os Pogues, and so on! Lembro-me de cada uma, que como se diz na minha terra ...até parecem duas!

Suspensa Espera...

Afago de Suspensa Espera

Resposta ao Imperador


Perguntas-me o que vim eu encontrar

acima das nuvens no cume da montanha

É algo que só na solidão se pode descobrir

E mesmo que quisesse não teria palavras para o exprimir

(Tao Hang King)

Reflexos


Envelheço. Estas límpidas águas

reflectiram já um outro rosto

Ninguém me pode devolver esse fulgor

Passado. Para quê turvá-las?

(Po Chu Yi)


Alquimia



Sono de Primavera


Um chilrear de pássaros me chega ao ouvido

Submerso ainda num sono de primavera

Recordo a chuva e a ventania da noite passada

Pergunto-me quantas flores terão caído

(Mong Hao-Ran)


Suspensa Espera. Por vezes precisa, necessária, respiração de bafo no vidro. Leve afagar de centro para a periferia,depois do refazer periférico do nós. O orvalho cristalino dos sentidos num leve, escorrido e suave deslizar para a madrugada que se aproxima. Suspensa espera... necessária, precisa, na vulcânica violenta lava dos dias.
(Existente Instante)

( fotos minhas, versão dos poemas chineses de Jorge Sousa Braga)