segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Maré Baixa



Irreprimível vontade de.... Contido dique de represada tristeza . Um estado de chuva fria, molhada, enervante humidade gota a gota cá dentro mesmo em tarde soalheira de outono. 



As minhas raízes mais profundas desvanecendo-se, os meus troncos primitivos de vida afilando-se cada vez mais numa curvatura para a terra com que se misturarão.



A inevitabilidade do tempo no seu sem dó nem piedade no cinzelar de almas e corpos. O maço e cinzel a fazer mossa na estatuária de um fim que ainda há-de ser. Sei, pressinto-o, embora em mim o seu martelado vá só a meio. Neles, passa a vibração do som, o ritmo acelerado de ter de ser, a sensação estranha de obra quase acabada.



Dói. Dói-me tudo numa lassidão trespasse de perda que ainda não o é. Não sei porquê, lembro-me do Broch da "Morte de Vergílio" e do "Em Nome da Terra" do outro Vergílio. Talvez as reflexões agudas, profundas, dolorosamente verdadeiras sobre a velhice, talvez. 



O meu velho e orgulhoso faroleiro cada vez menos garboso, cada vez menos clamando aos ventos da vida, cada vez mais dobrando-se pelos joelhos evitando a queda inevitável.


Para ali, numa miserável cama, de uma miserável enfermaria boca de um soturno e esconso corredor de um hospital portuense. Viajante que sempre foi, agora para ali a vida a querer "agarajá-lo" de força de vontade, de farolice. Um misto de raiva e tristeza a fazer ninho cá dentro.

A minha uterina barca - a Mãe. Cada vez mais a perder o rumo, o sentido de bolinar da vida. Vai navegando já com nenhuma memória de partida, pouca de balanço de viagem ainda a cumprir, aguardando uma chegada ainda de tempo indeterminado. Olha, compreende no seu parecer de não compreender. Por vezes distante, longe, viajante de terras de  um mundo que não alcanço ou sequer sonho. Dói, dói-me muito perceber que talvez não viaje para o que poderia ainda descobrir, ou o que de bom ainda pode ter a navegação, mas para o que perdeu na descoberta.

Sinto uma tristeza infinda nos seus olhos, ilhas de poucos, muitos poucos pássaros nas suas pupilas, ausculto-lhe nos seus passos e gestos lentos, vontade de demoras para a nossa felicidade e nem sequer me comovo, porque esvaído de dor fico.

Ontem vi-lhe a trémula mão pegar na dele, tímida, namoradeira quase, e ele aceitá-la a fazer-se de distraído de mais de 50 anos. Vi-a em bicos de pés, em esforço denodado a debruçar-se na barra da cama para um beijo na cara em barba de vários dias. Sorriu ligeiramente do bálsamo do companheirismo.

No lúgubre corredor, com a T ao meu lado tive vergonha. A mais de meio da viagem, percebi que não percebo nada do Amor, mesmo nada do Amor, da humanidade secreta, fascinante e incompreensível do Amor.
 Sonho impossível de regresso fascinado ao meu ser menino deles como verdade inquestionável de ser verdade simples e pura. Mas,como Os amo...meu Deus! No princípio foram Eles.