Há por aí blogues docentes de referência (o que será isso?) onde se escreve de uma forma torrencial, a quilómetros de pujança diária ( pois… parece que uma das regras da blogosfera-dizem os gurus- para ter um blogue de sucesso é a actualização constante, mesmo quando nada se tenha para escrever de significativo, mesmo que seja para afastar o tédio que nos consome, assim numa espécie de versão de algumas redacções jornalísticas “quando não há notícia, cria-se a notícia”), que até nem são maus blogues do género, todavia quando se metem a brios de escrever sobre o eixo central de toda a estrutura educativa, as relações pedagógicas professores-alunos, aquilo é de uma pobreza confrangedora, de uma falta de ideias, de uma capacidade de análise mais do que limitada, chegando em alguns casos a raiar a “astrologia” , ou o anúncio pago sobre as promessas de felicidade visionadas em bola de cristal.
Em alguns, até adivinho o porquê: sujeição a limites estreitos de esquematização mental de serem “anti-eduquês”, que não sabem muito bem o que isso quer dizer, mas porque fica bem, porque é bom, dá saúde, e milhões, dizer mal, ou ser anti qualquer coisa, quando a capacidade de explicação nos falha, quando as dúvidas nos consomem, quando estacionamos num “envelhecimento precoce” do estilo “ no meu tempo, não era nada assim”, ou quando até sem ler os autores em questão , dar tom abalançarmos em leituras que não se fizeram ao longo da nossa formação profissional. Já não é a primeira vez, e se calhar não será a última que leio na blogosfera o que umas “bestas” escrevem de forma caluniosa sobre Stephen Stoer, sobre Luísa Cortesão, Carlinda Leite, JOsé Pacheco, ou sobre a minha mestra, Manuela Malpique, e no que “escarrovinham”, denotam um desconhecimento completo sobre o papel destas pessoas na História da Educação em Portugal, ou quando muito, algumas leituras de parágrafos em folhetos, ou brochuras ministeriais, ou folhinhas de fotocópias de acções de formação.
Assim , ser-se anti-eduquês significa para muito ignorante pegar num copo misturador e fazer uma enorme batido, onde cabe tudo: modernas técnicas pedagógicas; didáctica de ensino, psicanálise, psicologia comportamental, História da Educação, e máquinas ministeriais, aplicações canhestras de ideias pedagógicas, burocratas assanhados de gabinete.
Criticando os chavões “eduques” , lá bem os chavões dos anti : “ è preciso isto e aquilo”, “é preciso a restauração de…”, mas em muitas dessas sugestões, em esconso, um desejo quase pueril de regressar à “régua” à “porrada no lombo”, à expulsão pura e simples, ou talvez criar em cada esquina uns IRS, ou a aquisição de “repelentes de pré e adolescentes”. Só que no seu íntimo, eles sabem que os jovens de hoje, não são os dos anos 50,60,70,80 e mesmo 90, e que muito do que assistem em muitos jovens lhes escapa, como escapa à minha pessoa, com a diferença que na minha reflexão não me refugio no passado, (acredito no processo de hominização pois!) no que era - que agora já não pode ser, nas soluções musculadas, nem nas vergastadas de Singapura, ou campos de reeducação na China.
Sempre desconfiei, para depois infelizmente ter a confirmação, que muitos colegas que entram de “camisa aberta e cabelos no peito” na sala de professores a altos brados “ comigo é tudo a eito” , “ Nem piam” e por aí fora, eram aqueles que dentro da sala de aula mais problemas disciplinares tinham e mais se acobardavam na imposição de normas, na imediaticidade de actuação, na resolução dos conflitos - pois claro que isto de auto-estima é para todos. Mas não o deveria ser na humildade de pedir ajuda, do diálogo franco com outros colegas, ou mais experientes, ou com abordagens diferentes no controlo disciplinar, para não falar nas leituras sobre a temática do que naquela altura nos afronta a serenidade profissional. Não, sabemos tudo, somos auto-suficientes, os problemas são dos outros.
Posso estar errado pronto, mas com trinta anos de serviço, continuo a ver na profissão docente um alastrar doloroso (in) solidão , do isolacionismo, dos diálogos quase insubstanciais e de circunstância de salas Professores. Claro que a Tutela Ministerial contribuiu e muito para o agravar desta situação, mas façam-me o favor de serem mais argutos e perceber o que estou a tentar transmitir. Não me estou a referir à “unidade” da luta contra um “inimigo comum”, as concentrações gigantescas, por muito importantes que fossem na nossa coesão de classe, estou-me a referir a algo mais maninho, mais micro-relacional, mais teias de humanização docente, mais sentidos tácteis interiores.
Posso estar errado pronto, mas com trinta anos de serviço, continuo a ver na profissão docente um alastrar doloroso (in) solidão , do isolacionismo, dos diálogos quase insubstanciais e de circunstância de salas Professores. Claro que a Tutela Ministerial contribuiu e muito para o agravar desta situação, mas façam-me o favor de serem mais argutos e perceber o que estou a tentar transmitir. Não me estou a referir à “unidade” da luta contra um “inimigo comum”, as concentrações gigantescas, por muito importantes que fossem na nossa coesão de classe, estou-me a referir a algo mais maninho, mais micro-relacional, mais teias de humanização docente, mais sentidos tácteis interiores.
Mas dizia eu acima, que muitos anti-eduquês quando dissertam sobre a relação Professor Aluno, ou deliram, ou tornam-se autênticos “oráculos de Bellini” , o que em mim traz dois efeitos engraçados: começo por uma raiva crescente que se desvanece depois numa gargalhada terapêutica. Houve um que a respeito da disciplina queria pôr “trela”, açaimo,” e tudo, nos alunos subentenda-se, outros oráculos, clamam “perigo eminente” – Não quer ter problemas (reparem neste discurso…), então faça isto, não faça aquilo, cuidado com aqueloutro!
E que tem isto tudo a ver com uma história infantil? Nada e tudo! Na passada semana, dei por mim a lembrar-me de tudo isto, depois de ter lido antes da “dorma” à “Trancinhas” uma história belíssima que desconhecia do José Fanha, de um livro um encanto “ Diário Inventado de um Menino já Crescido”.
Raio de história que é do mais “eduquês” que se pode ler! E eu “educado” e empedernido no bom “eduquês”, achei-a deliciosa e ponto de partida para este conversatar!
Raio de história que é do mais “eduquês” que se pode ler! E eu “educado” e empedernido no bom “eduquês”, achei-a deliciosa e ponto de partida para este conversatar!
Duas professoras
Eu tenho duas professoras.
A dona Adelaide que ensina muitas coisas e com quem eu e os meninos da minha sala não aprendemos coisa nenhuma. E a Mariazinha que não ensina coisa nenhuma e com quem nós nos fartamos de aprender coisas.
Isto pode parecer esquisito. Mas é assim mesmo. A dona Adelaide ensina-me a saber gramáticas e rios e as voltinhas do aparelho digestivo e coisas dessas. Coisas que vêm nos livros e basta ler e responder às perguntas e para o mês que vem já não me lembro de nada.
A Mariazinha ensina-me a gostar das coisas. De todas elas. As grandes e as pequenas. As importante as outras. Uma conchinha da praia. Um buraco na parede. Uma folha de nespereira. O piar' de um mocho. Coisas que ficam para toda a vida cá dentro do coração.
A Mariazinha sabe muitas coisas daquelas mesmo importantes. Sabe muito bem de que cor é o silêncio, a que é que sabe o pôr do Sol e quantos metros mede um sorriso enorme que é o sorriso que ela tem. Se calhar, é por isso que eu nunca me hei-de esquecer coisas que ela me ensina.
Eu tenho duas professoras.
A dona Adelaide que ensina muitas coisas e com quem eu e os meninos da minha sala não aprendemos coisa nenhuma. E a Mariazinha que não ensina coisa nenhuma e com quem nós nos fartamos de aprender coisas.
Isto pode parecer esquisito. Mas é assim mesmo. A dona Adelaide ensina-me a saber gramáticas e rios e as voltinhas do aparelho digestivo e coisas dessas. Coisas que vêm nos livros e basta ler e responder às perguntas e para o mês que vem já não me lembro de nada.
A Mariazinha ensina-me a gostar das coisas. De todas elas. As grandes e as pequenas. As importante as outras. Uma conchinha da praia. Um buraco na parede. Uma folha de nespereira. O piar' de um mocho. Coisas que ficam para toda a vida cá dentro do coração.
A Mariazinha sabe muitas coisas daquelas mesmo importantes. Sabe muito bem de que cor é o silêncio, a que é que sabe o pôr do Sol e quantos metros mede um sorriso enorme que é o sorriso que ela tem. Se calhar, é por isso que eu nunca me hei-de esquecer coisas que ela me ensina.
José Fanha, Diário inventado de um menino já crescido
