quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

FERNANDO ECHEVARRIA




Uma edição de uma beleza e qualidade quase sem par na poesia portuguesa.


Um poeta luminoso cristalino na sua imersão no fácil difícil do dizer poético. Um dos enormes poetas deste século na poesia portuguesa, humilde, avesso ao mediatismo. Uma voz frágil possante da interioridade do ir sendo homem em humanidade atenta.


Uma poesia que vai teclando em mim ao som do “Das Wholtemperierte Clavier”. Uma poesia de prelúdio e fuga que nunca o é porque reencontro na coda final da liberdade da palavra poética maior que que o mundo que sonha.


Ave ferida, renascida sempre, de Base e Timbre, filosófica, fenomelógica, de Pemumbra ao Corpo Intenso, a poesia de Fernando Echevarria.

5 poemas à sorte que nunca o é, por sorte ser de escolha minha.



Da História

1

PENSAR A HISTORIA E SER PENSADO NELA ,

sendo ela pensada noutra parte

com a nossa a, se possivel, vê-la

no nó especular de onde ela parte.

E, alem do nó, o azul rasga a janela

e nele se move, sem lugar, amar-te

sendo amado de ti, como uma estrela

no pensamento de que não se aparte.

Ou arruina-se a mágoa, a perspectiva

e o próprio azul por onde se mover

é amar-te numa história viva

que ainda nao soubemos escrever.

Porque escrevê-la a ensombra e a deriva

para a seguirmos como ja não é.




QUANDO A MELANCOLIA FOR DOCE, É PORQUE É GRANDE.

Todos podem, então, entrar por ela.

E, ao mesmo tempo, irão por entre as árvores

com a estúrdia dos lenços nas clareiras,

sem que, por isso, se perturbe a grande

doçura. Que a tristeza

nem ja é triste. Está-se

movendo para onde somente grande seja.



NAO É O QUE PASSA QUE NOS FAZ ESTAR TRISTES.

É amarmos que passe na tristeza,

tocado a luz interior que exige

cada vulto chegado a transparência.

Porque amarmos que passe é um limite.

A luz aí se eleva

em cada vulto. E assiste-se

ao apogeu de trânsito e inocência.

Cada qual se despede. E cada qual a triste.

Mas todos cumprem a rotação imensa

e, chegados ao apogeu, assistem.

Amam o lume abrupto da tristeza.

É DOCE ENVELHECER QUANDO O QUE AVANÇA

e ir recrudescendo a inteligência.

Entra-lhe o mundo no vagar. Decanta

o seu volume inteiro de contenda.

Transporta-se. E entrega na palavra

a inteligível criação. Entrega

o desenvolvimento. O pulso. A trama

que ajustam sua refundacão aberta.

E a docura de se ir vendo alarga

o envelhecimento a quase ciência.

Uma ciência onde o enigma é alma.

E onde o mundo contunde. Insiste. E pesa.



Ultima Licão de Psicanálise

QUE TRISTE QUE ERA NÃO SER TRISTE NUNCA

Andar à chuva como deve andar

quem por ela se molha e nela estuda,

pensando dela o que pensado esta.

Ou passeando ao sol do mesmo modo.

Como se andar por ele andasse em si,

nem triste nem alegre, mas só como

ao sol a que anda e que se move ali.

Com, evidentemente, a consciência

de passar no relevo dessa imagem

como se passa pela indiferença

de se saber um ponto na paisagem.

E de saber que nunca houve tristeza,

nem ser triste foi triste, mas passagem.