Este ano foi pela Felicidade de Pomar e um conto de Nuno Higino. Tudo grátis, sem um anormal de um pai natal nem "cagaçal" . Foi só o silêncio de perdido encontrado olhar e um não encurtar caminho para o presépio, nem alinhar em "rebanhos ruidosos, festivos" como o Boi do Nuno Higino.
O boi chegará a tempo
do presépio?
O boi vai ao Presépio. O boi é paciente e não tem pressa de chegar. Caminha e pára. Rumina e pára. Rumina erva e
rumina distraídas névoas perdidas no caminho. Quando alguém passa muito rápido, o boi não se assusta. Nem fica agitado. Levanta a cabeça. Pára a ouvir a pressa de quem
passa depressa. E parado, rumina.
O boi rumina
erva, rumina névoas. Rumina pensamentos. Muitos afirmam a pés juntos que o boi
não tem pensamentos, mas devem estar enganados. O boi vê. O boi ouve. O boi sente. O boi come
erva, come feno. O boi rumina. O boi caminha lentamente. O boi pára a olhar. É
quando pára a olhar que eu acho que ele pensa. Pensa com os olhos parados, a
olhar. O olho do boi é um olho grande. E um olho grande vê muitas coisas. Como é que o boi não há-de pensar? Eu
digo que pensa. Pensa o que
vê. Rumina o que olha. E caminha. De garfada em garfada, de névoa em névoa, de
pensamento em pensamento.
Não se pense
que por ser assim e não ter pressa, o boi não quer chegar ao Presépio. O boi
quer olhar o Menino com os seus olhos grandes. Quer saudar o menino com a narina a mexer, a soltar
bafo como uma máquina de fazer quentinho. Se o Presépio for para os que encurtam caminho, então tirem o boi do
Presépio porque não vai chegar a tempo. Se o Presépio for só para os muito
ágeis, aí então não contem com o boi. Ponham lá a lebre ou a gazela. Mas o boi
não.
O boi vê passar
os pastores e os rebanhos. Rebanhos ruidosos, festivos. Vê passar os reis magos em montadas rápidas. Fica a
olhar o burro no seu andar aos saltinhos. Depois de os ver passar, o boi fica
parado a ruminar a distância. «Estou aqui no meio da distância. Sou como uma
chuva que não quer chover?» E volta a pensar: «dentro da minha pele retesada parece
que não há nada. Sou um vazio que caminha?» Sente-se um despovoado, mais livre
do que um deserto. «Se estou despovoado, a liberdade me há-de
povoar».
Se calhar, quando chegar, o Menino já é grande e já
abandonou o Presépio. Mas o boi continua a caminhar ao seu encontro, a comer
feno enquanto olha, a olhar enquanto rumina. O boi não tem pressa. O boi tem tempo. O boi caminha.