Uma edição de uma beleza e qualidade quase sem par na poesia portuguesa.
Um poeta luminoso cristalino na sua imersão no fácil difícil do dizer poético. Um dos enormes poetas deste século na poesia portuguesa, humilde, avesso ao mediatismo. Uma voz frágil possante da interioridade do ir sendo homem em humanidade atenta.
Uma poesia que vai teclando em mim ao som do “Das Wholtemperierte Clavier”. Uma poesia de prelúdio e fuga que nunca o é porque reencontro na coda final da liberdade da palavra poética maior que que o mundo que sonha.
Ave ferida, renascida sempre, de Base e Timbre, filosófica, fenomelógica, de Pemumbra ao Corpo Intenso, a poesia de Fernando Echevarria.
5 poemas à sorte que nunca o é, por sorte ser de escolha minha.
Da História
1
PENSAR A HISTORIA E SER PENSADO NELA ,
sendo ela pensada noutra parte
com a nossa a, se possivel, vê-la
no nó especular de onde ela parte.
E, alem do nó, o azul rasga a janela
e nele se move, sem lugar, amar-te
sendo amado de ti, como uma estrela
no pensamento de que não se aparte.
Ou arruina-se a mágoa, a perspectiva
e o próprio azul por onde se mover
é amar-te numa história viva
que ainda nao soubemos escrever.
Porque escrevê-la a ensombra e a deriva
para a seguirmos como ja não é.
QUANDO A MELANCOLIA FOR DOCE, É PORQUE É GRANDE.
Todos podem, então, entrar por ela.
E, ao mesmo tempo, irão por entre as árvores
com a estúrdia dos lenços nas clareiras,
sem que, por isso, se perturbe a grande
doçura. Que a tristeza
nem ja é triste. Está-se
movendo para onde somente grande seja.
NAO É O QUE PASSA QUE NOS FAZ ESTAR TRISTES.
É amarmos que passe na tristeza,
tocado a luz interior que exige
cada vulto chegado a transparência.
Porque amarmos que passe é um limite.
A luz aí se eleva
em cada vulto. E assiste-se
ao apogeu de trânsito e inocência.
Cada qual se despede. E cada qual a triste.
Mas todos cumprem a rotação imensa
e, chegados ao apogeu, assistem.
Amam o lume abrupto da tristeza.
e ir recrudescendo a inteligência.
Entra-lhe o mundo no vagar. Decanta
o seu volume inteiro de contenda.
Transporta-se. E entrega na palavra
a inteligível criação. Entrega
o desenvolvimento. O pulso. A trama
que ajustam sua refundacão aberta.
E a docura de se ir vendo alarga
o envelhecimento a quase ciência.
Uma ciência onde o enigma é alma.
E onde o mundo contunde. Insiste. E pesa.
QUE TRISTE QUE ERA NÃO SER TRISTE NUNCA
Andar à chuva como deve andar
quem por ela se molha e nela estuda,
pensando dela o que pensado esta.
Ou passeando ao sol do mesmo modo.
Como se andar por ele andasse em si,
nem triste nem alegre, mas só como
ao sol a que anda e que se move ali.
Com, evidentemente, a consciência
de passar no relevo dessa imagem
como se passa pela indiferença
de se saber um ponto na paisagem.
E de saber que nunca houve tristeza,
nem ser triste foi triste, mas passagem.