Os deuses andam avaros. Mais do que isso, entre o magoado e vingativo de serem pouco amados, ou no limite, menos do que o eram noutras épocas. Vai daí resolvem tirar-nos alguma felicidade terrena e levar-nos quem ainda alguma luz-farol consegue luzir na escuridão - cegueira dos tempos. Que deles não devemos precisar que pedra de tempo nos vamos deixando transformar. Lá sim, junto deles, o festim dos sons, a ébrea eteriedade sonora.
Invejosos, cínicos. Foi assim vai para anos com Gould, foi recentemente com Montserrat Figueras, com Leonhardt, como o foi em 87 com Jacqueline du Pré.
Dou por mim a ouvir incessantemente o “cello” marítimo de búzio deste anjo breve que foi Jacqueline du Pré. Tudo reunido, tudo condensado na beleza do arco de Deus. A beleza, a dela, do som interino e uterino do violoncelo, a música que esvoaça brisa breve ou agreste pelo tempo do não tempo hálito de estátuas da música.
Prolongamento de um no outro. O violoncelo é Du Pré e Du Pré é o violoncelo. Não é ela que o agarra, é ele que a afaga, que a afoga, que a envolve. Amor total.
E de súbito apetece-me ouvir uma obra que não tendo nada a ver com Jacqueline, me traz emoção de DuPrè. Op.76 No.2 / Harmonies du soir Op.68 de Jacques Offenbach “Tears for Jacqueline” , aqui por Werner Thomas.
Não percebem os deuses no seu egoísmo. Quanto mais os fazem partir, mais amados os temos por nossos.
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