sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Envelheço com a tarde

Cai mansa, etérea e fria a tarde.

Cinco horas da tarde. Os senhores do Jardim olham-me com espanto ou anseio de qualquer alimento.


Está frio, aconchego o cachecol, levanto as abas do sobretudo, coloco as mãos no bolso. Distendo as pernas.


Olho de olhar alongado para um rio profundo, lagunar, que me observa.

Estou só, completamente só. Estou bem.

Ouço o arfar compassado da minha respiração em dó menor ao som do Stabat Mater de Pergolesi, cantado por angélica voz de contratenor.


Começa a ser comum perscrutar o silêncio que habita em mim, ou por problema de habitação, o que vai sobrando de mim no silêncio.


Estou só, profundamente só. Pleno, comovido a leste de mim, que para minha perdição – salvação só me encontro na bússola do cá dentro.


Um frágil ramo de tília desnudada observa-me. Sorrio-lhe e a brisa abana-a como se treme.


Esvai-se a tarde em horizontes laranja. As primeiras luzes-candeias tremeluzem do lado de lá. Convoco-as para o meu lado de cá, companheiras de entardecimento.


Estou só. Profundamente só. Envelheço com a tarde e estou bem.


Preciso destes amplexos de serenidade para ser feliz.


Despeço-me deste escuro verde-musgo com um sorriso aos bancos vermelhos. Aceno-lhes por dentro, e , no seu vazio de ninguém, vislumbro promessas pacificadoras de outros entardeceres.


Com o fim da tarde envelheço e estou feliz. Talvez Ele andasse por ali, de certeza que andou por ali, hálito profundo de vida…


Talvez. Resolvi fixá-lo com a minha Pelikan no meu moleskine .


Caminho arborizado e noturno entre as áleas. Uma nesga de lua espreita-me. Algumas raízes de mim ali ficam.


Envelheci com a tarde.

Não me importo, gostamos.






3 comentários:

Raul Martins disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Raul Martins disse...

Envelheceste, o "tanas", meu amigo. Quem perscruta o silêncio que habita em si... e não perde a bússola do cá dentro... não envelhece.
Estás cada vez mais jovem....
...
Mas percebo esta tua parábola do envelhecer ao fim de tarde.
...
Abraço.sorriso.aternuração.

IC disse...

Belíssimo texto. Mas inesperado (não por ser belíssimo). Inesperado porque falas de envelhecimento. Tu que julgo que és ainda pai de filhos provavelmente pouco mais velhos que os meus netos... Tu que costumas escrever com um humor delicioso e inigualável...
"o que vai sobrando de mim no silêncio" - pois eu sou sobra de mim mas ainda me sinto inteira. E a imagem mais forte que tenho do silêncio vem de quando ainda era mulher jovem, e é de tristeza do tamanho do mundo em lágrimas rolando muito de mansinho, tão devagarinho que o silênsio era imenso. Mas esse e outros momentos de vida ficam minúsculos no tempo da vida quando não se perde a bússola no caminhar sempre em frente olhando teimosamente a estrelinha da Esperança que acaba sempre por ceder enviando raios de Alegia - Alegria silenciosa?... talvez também...
Abraço e sorriso.