E por falar em Vergílio Ferreira, esta recente polémica iniciada com frases indefiníveis de Saramago, quer pelo tom, ignorância, confusão do sagrado e do humano-profano, descontextualização histórica, fez-me de rompante ir aos confins da memória e recordar dois belíssimos textos do citado Vergílio no “Pensar” que se aplicam ao nosso nóbel que nem luva em mão fina:
“72 Estás velho. Já é difícil ouvirem-te. Vê se falas mais alto, por sobre a tua bronquite, a gaguez cerebral, o impossível asseio, a gosma, o ofego respiratório, os passinhos miúdos, as mãos frias, o risinho em falsete de tolinho, as lembranças chilras, o relógio das horas da papa, as almofadas da tua cabeceira, a manta para o frio mortal, as pantufas mesmo no Verão, o escarrador e o penico, e talvez o respeito veneração obrigado — vê se falas mais alto por cima disso tudo e talvez te ouçam. E talvez conquistes ainda a ilusão de que és comunitário.”
59 Decerto há várias razões que expliquem a redução mental de um velho. E entre elas, naturalmente, a do seu esgotamento. Concebe-se uma ideia, expõe-se, e ela reduz logo, por exposta, o nosso capital mental. (...) Não apenas porque é uma fracção do que se concebeu, mas ainda porque ela já lhe não pertence. Repeti-la, expô-la, é abdicar dela em favor dos outros, que naturalmente já a têm sem o saber. Se a ideia tem um percurso a fazer, ela está a realizar-se e a ser funcional onde os outros a esperavam. Mas uma ideia num velho não tem a ver apenas com isso. Muito mais profundamente, ela tem que ver com a presença da morte. (...) Ora a morte é o pano de fundo de um velho, contra o qual se define todo o seu tecido de ser. Assim ele se questiona, ainda que o não faça, sobre o significado de uma ideia. Porque é necessário que ela seja visível, face ao visível da morte. Essa questão da resistência de uma ideia, frente ao nosso destino, devíamos estabelecê-la sempre para lhe avaliarmos a sua compreensão. Ora a morte é inimaginável e só a sua presença imediata a torna mais concebível O cansaço do velho é isso que significa. (...) “
Depois, caro nóbel, a Bíblia ser um “Manual de maus costumes” ? Claro que é !! Pode lá ser estas “poucas vergonhas” ?
“PRIMEIRO CANTO
Anseios de amor
Ela .
2 Sua boca me cubra de beijos! São mais suaves que o vinho tuas carícias,
3 e mais aromáticos que teus perfumes
é teu nome, mais que perfume derramado;
por isso as jovens de ti se enamoram.
4 Leva-me contigo! Corramos!
O rei introduziu-me em seus aposentos.
Coro.
Queremos contigo exultar de gozo e alegria,
celebrando tuas carícias, superiores ao vinho.
Com razão as jovens de ti se enamoram. (...)
O problema, caro nóbel português, é que quatro versos de um Livro do tal dos “maus costumes” , vale bem uma viagem de elefante à procura do ensaio da lucidez, mesmo que ele esteja na caverna, ou no ano da morte de ricardo reis, que sendo uno ou o homem duplicado, tinha todos os nomes na bagagem do viajante e acabou por levantado do chão, titubear perante as intermitências da morte.
Caro nóbel português, você faz-me lembrar aquele escritor que afirmava a pés juntos: “Ninguém em Portugal escreve como eu , a que alguém respondeu : “ Ainda bem. “ (roubado salvo erro a Vergílio), ou aquele outro que a todo o custo queria virar estátua, e isso é aflitivo : não se vai poder coçar!