E para não abrir este blogue depois das doze badaladas...ainda Vergílio num dos seus Conta-Corrente:
“Mais um ano que findou. E só por isso eu faço este registo. O calendário é o sítio onde se envelhece. Em certas datas, toca-nos no ombro e diz-nos o memento homo. Porque o homem não envelhece: é diferentemente o que sempre foi sendo. O que mais nele se altera é a escala dos seus valores, a ordem do que ama ou detesta. Mas nas datas estabelecidas chega-nos o aviso de que toda a bicha deu mais um passo para o guichet da passagem. É a altura de sabermos que um passo nos foi descontado. O recurso para esse desastre é dizê-lo em voz alta. A coisa fica logo de fora e já não é connosco.”
Sobretudo homenagem a sublime escritor, dos maiores que a nossa literatura conheceu e cujos Conta-Corrente fui revisitando nesta tarde feia e chuvosa. Vergílio a obrigar-me a refluir à minha humanidade profunda neste final de ano.
“Hoje iremos festejar o Ano Novo a casa dos Paixões. Seremos fúteis e magníficos. Faremos talvez um manguito monumental ao ano que findou, desejaremos felicidades uns aos outros, comeremos, beberemos, fumaremos charutos havanos que me ofereceram há tempos e eu levo daqui, e recolheremos enfim à cama, acordando amanhã não num novo recomeço mas na continuação do esgotamento do que se nos vai esgotando. Depois os dias somar-se-ão aos dias, e os meses aos meses. E quando mal nos precatarmos estaremos, se estivermos, num outro fim de ano. Haverá mais migas no nosso rosto, as crianças terão crescido um tanto, o nosso irmão corpo ter-nos-á dado mais avisos de que vão sendo horas de fechar as contas, a indiferença crescerá em nós como erva com os silêncios entre ela, e o nosso olhar será mais apagado sobre as coisas. Celebraremos então um novo fim de ano, faremos talvez um outro gesto com o braço para ele. E teremos talvez mostrado assim exemplarmente aos moralistas e aos enérgicos exaltadores da vida que o grande comentário para tudo isto, num filosofar sintético e visível, é esse manguito demorado e do tamanho do Universo.”
“ Hoje é o último dia do ano e há que vir aqui portanto assinar o ponto. Só mesmo por isso venho. Porque de facto, que tenho eu a dizer? Olho atrás o ano que passou e é como se já tivesse passado antes de passar. Tudo corre rapidamente semuma pausa que se demore. Pensei e penso que isso se deve à compressão do tempo pela idade, porque só quando se é jovem o tempo dura o tempo que é ou às vezes mais. Na velhice o tempo reduz-se, porque antecipadamente sabemos que nada há nele que passar. Pensei e penso isso, mas não é essa a razão bastante. Vive-se hoje no provisório, o instante vive o passado e o futuro, sem se intensificar a si na dimensão da eternidade. E assim espantoso o gasto enorme que de tudo fazemos para imediatamente o deitar fora. A sociedade de consumo não se fixou apenas no desbarato da frivolidade exterior, mas contaminou a nossa vivência interior.É fabuloso assim a quantidade de coisas que exaltamos até ao delírio para logo as esquecermos. (...)
Hoje acaba mais um ano, um novo ano vai começar. E só o que me apetece dizer é que não sei que dizer nem pensar. Já não falo da política por uma regra de higiene. Mas ela também não é culpada, porque sem os homens que a fazem, outros a fariam plausível. Ela é todavia o mais repulsivo do que repelimos, porque mais visível e imediata e tangível ao que em nós toca o circunstante. Houvesse ao menos por detrás ou por dentro disso tudo o que regrável e compreensível e alto nos sublimasse e redimisse. Não há. Há só a confusão e o desvairamento, as explosões súbitas de gritos que logo se apagam e esquecem. Cultura do esquecer, do sucessivo e casual, do berro que tenta afirmar-se até à rouquidão e o silêncio subsequente, da ausência da- memória que tem sido a mãe das artes e afinal da própria cultura. Calo-me eu também no esgotamento de o dizer. Hoje é o último dia do ano. Mas podia ser o primeiro, que é amanhã, ou o segundo, que é depois. Porque todos os dias são últimos no silencio que vem logo atrás.”
A Isabel ofereceu-se uma belissima antologia de Poesia Portuguesa que já está na minha lista adiada de parco salário docente, porque me ofereci também nataliciamente duas mil páginas de Cecília Meireles.
Paixão antiga fortissima e sempre viva pela obra desta enorme Mulher e Poeta, que ao longo dos anos se foi consubstanciando em 5 livros da Nova Fronteira e da Global, ou em leituras esparsas de uma obra que sabia gigantesca em quantidade e qualidade. Agora a possibilidade de conhecer toda a sua obra e até sair um pouco dos estereótipos Cecilianos que vão abundando na Web.
E que obra ! Patamares acima no meu panteão, onde já estava, como estão Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Murilo, Drummond, Bandeira, Vinicius, Quintana, Cabral de Melo Neto, Nejar, Paulo Campos, Clarice Lispector ou Nélida Piñon.
Assim Cecília em quase duas mil páginas, mas de uma leveza poética como poucas. Cecília que vai tocando a “corda sensível” que quero ir sendo. Cecília a quem fui “roubar” o título do meu blogue, Cecília que amo em Amália de Naufrágio, as Mãos que Trago, ou Soledade, Cecília das crianças e adolescentes, em poemas que deveriam fazer parte da aprendizagem poética no Jardim de Infância, ou escolaridade obrigatória.
Depois... a alegria de ter descoberto, depois de anos de procura, esta última Cecília num disco belo e raríssimo da Lena d’Água que a própria disponibilizou num dos seus blogues “Ou Isto Ou Aquilo” http://aguaparacriancas.blogspot.com/.
Depois porque me apetece “Ceciliar” o Raul e a sua Lua, (ou as suas Luas?) porque é uma letra linda e gosto de presentear os amigos virtuais com estas brincadeiras. Se ele conhecer, vale a intenção, se não conhecer, olha, fica o seu hino Ceciliano! Ele que me desculpe os cortes na fotogenia, mas “ A Lua é tua, Raul” !
Estes, os meus dias pré-natal sempre que as aborrecidas obrigações de final de período lectivo deixaram. Longe do conversatar sempre mais tagareleiro destas ocasiões, longe do consumismo centrocomercialão, das prendinhas por tradição obrigadas, das notícias mais ou menos tristonhas ou sensacionalistas, e perto d’Ele .
Ele que não pede nada, que está sempre disposto a ouvir os meus pensamentos, o meu nada de pensar que pode ser o tudo, a minha boa solidão, as minhas tristezas mais maninhas, com a sua suave espuma branca de resposta, Ele que enche a minha respiração do seu hálito de liberdade, que responde ao meu silêncio com o seu silêncio ventoso de maré, ou com o seu rugido doloroso de raiva, Ele que me permite o lento-longo olhar de nele me perder, seja na sua calmaria, ou nas suas alterosas vagas, Ele, que permite a oração do silêncio que talvez a que o outro Ele melhor entenda, Ele que permite a reconcialiação com os elementos e me faz retornar ao reino dos humanos mais límpido, mais lavado, mais humano...em suma.
Ele...o Mar do meu pré-Natal e deste natal. Tenho estado muito com Ele e com a Cecília Meireles e com a Música que foi uma prenda conjunta de nós para nós, e que a minha parceira do “confronto do descobrimento” já se encarregou de desvendar no seu belíssimo “Búzio do Vento” (http://buziodovento.blogspot.com/) e por isso não digo por repetição. Apenas, o poema-cântico de S.Francisco de Assis cantado de uma forma tão belamente marítima...
Assim, “MarAtal” este meu pensamento neste dia, antes de ir para as raras coisas do Natal que ainda vão tendo significado para mim. Estar com Eles, as minhas ondas de vida, que me têm permitido navegar à vista este meio século de vida, os meus portos de abrigo de refazer forças e iniciar viagens.
Desafio da Maria do Carmo Cruz aí vai o meu contributo para o Natal. Tardio e um pouco egoísta é certo, mas mais do que Natal, ideário de quase sempre. Depois aqui o que já vão sabendo...um blogue adormecido não é sinal de esquecido! Sempre com uma existente ternura de permanência para o Raul Martins, o Matias, A Isabel Campeão, a Teresa "aranhiça", a Maria Carmo Cruz, Fátima André, JAD, Turner, Castanheira e tantos outros, um tempo de dourada letra inscrita de pacificação, de "levitação e sonhos de dia aberto", e cá estaremos permanecendo, resistindo, aternurando-nos uns aos outros, sem remédio e em legítima defesa!
No Natal e Fora dele...
Vou sabendo aceitar a visitação silenciosa da ternura. Instala-se.Nada diz. Acabo por a perceber perfeitamente.Eu já...
Rejeito a frágil folha rosto de lágrima percorrida. O meu olhar não tem pressa.Eu não...
Que este rumor interior de beleza comovida regressa sempre ao lugar de partida.Eu sei...
Como barco em horizonte distante, acenar recolhido até que.Eu quero...
Continuar a entregar-me despudoradamente ao Instante que Existe no passado - presente, nesta força imorredoira de merecer-me de Vida merecida. Eu sonho...
Porque entre Ela, a do seu coração, e Ele... ouvem-se os sorrisos da Música!
Porque o que o faz a Ele, Meu Filho, feliz, serena o meu silêncio amplo.
Porque amanhã é dia de ser Natal e apetece-me colocá-los aqui, mesmo com "raspanete" a Pai "cusca". A Eles, e a um texto extraordinário de uma escritora sublime que não digo! Eles que descubram!
" Entre Ela e___________ o ar tinha gosto de Sábado. E de súbito os dois eram raros, a raridade no ar. Eles se sentiam raros, não fazendo parte das mil pessoas que andavam na rua.
Os dois às vezes eram coniventes, tinham uma vida secreta porque ninguém os compreenderia. E mesmo porque os raros são perseguidos pelo povo que não tolera a insultante ofensa dos que se diferenciavam.
Eles escondiam o amor deles para não ferir os olhos dos outros de inveja. Para não feri-los com uma centelha luminosa demais para os olhos. "
Um abraço do tamanho de Pai (sem ser Natal) e aceito o castigo do teu amuo, se o tiveres!