Um mar de gente. Os brinquedos mais do que comprados, sorvidos, escavados das prateleiras numa ânsia de consumo de última hora que mais do que alegria das crianças a quem se deviam destinar, são obrigação de compra, porque tem de ser, porque Natal escondido no dar, está o gastar!
De súbito a lembrança de um belíssimo texto-artigo de Olavo de Eça Leal inserto na revista Panorama nº 12 de 1942 sobre brinquedos. Como tudo o que escreve faz sentido para mim, como tudo é verdade nesta mentira fingida e bacoca em que se transformou o Natal das prendas!
Aqui, parte deste belíssimo artigo e algumas fotos dos meus brinquedos ( e olhem que não sou tão novo assim-no suave plano inclinado de mais de meio século!). Apreciem! E que as vossas prendas sejam um sorriso de um avô ou avó, a rabugice ou queixa terna de Pai ou mãe, a reconciliação com este ou aquele, que o deveria ser com todos e a vida, a lembrança boa, quente e suave dos vossos brinquedos e o o que deles conseguiram construir de imaginação, o sobressalto e agitado adormecer de noite especial que nem existia, os cheiros bons da casa, o afago ou hálito quente do afecto que existiu mesmo ou sonhado por não existir.
Amanhã, quero o Menino Jesus no meio de Nós Convidei-o, e sei que Ele não faltará! Ele sim, o Natal! O Resto? Subprodutos, enfeites, fato idiota de Pai Natal.
Na verdade, ou seja, no dia seguinte (a verdade só é completa no dia seguinte), verificavas que os tais brinquedos não correspondiam às tuas secretas ambições. Ah! O dia seguinte do brinquedo!
Como é rápida a decadência do brinquedo, uma vez arrancado ao arranjo da montra da loja, onde brilhou, rodeado por outros brinquedos, valorizado por luzes hipócritas. Os brinquedos deviam ficar eternamente nas suas caixas bonitas, ou pendurados no tecto dos estabelecimentos, para serem apontados pelos dedos indicadores dos meninos.
É raro um brinquedo corresponder à imaginação da criança que o recebe. (…)
Olavo d’Eça Leal “ Brinquedos Portugueses Para Meninos Portugueses” in Panorama nº 12, pág-39-41, 1942
Comprada nas Fontaínhas pelo S. João, era o terror dos ouvidos das miúdas da Sé, a quem adorava "atazanar" os ouvidos, mesmo arriscando ouvir (como ouvia) as dezenas de "cara..." e pqpar, ou mesmo a ida para sítio da minha mãe indizível num blogue!
As SAMEIRAS ( qual caricas qual caraças!) que eram embelezadas com nomes de corredores das voltas a Portugal da altura e que eram as "bicicletas" mais velozes das pistas-passeios do granito portuense!
O PIÃO ( E maldito seja quem confunde pião com piasca- NÃO É DO PORTO CARAGO!), o meu pião, a faniqueira, as "quequas", a velhice assumida e garbosa - nele e em mim! Morrer de pé sempre! Nunca quebrar pela base!
O meu yo-yo! Plástico, simples, pequeno! Hoje um enguiço, ontem artista. horas naquele movimento a aprender a rotina do jogo e da vida! Resistia muito! Tal como ele, difícil de enrolar ainda hoje!
A minha BOLA- DE - MEIA. Com Jornal dentro alegria e gáudio de menino de Rua e da Sé que fui e com quem ainda hoje coabito! As de Couro, só para ricos ou sortudos nas cadernetas completas das Victórias com a cobaia , a baleia e o bacalhau! As de Borracha para os remediados e dinheiro à vista na Central da Borracha! As de Plástico, acessíveis, mas de tostão de aforro, por isso, de meia de vidro, ou de dedo esburacado, com jornais e "embrulho por camadas" com nó fino e apertado. Era o artesão mor das bolas de meia da minha Rua do Cativo, solicitado por menino dos Pelames, Bainharia ou Rua Escura.
Fui tanto com tudo isto que é tão pouco! Fui tão feliz, tão puto, tão "ruaçeiro", tão MENINO!
Hoje Homem, Pai, Professor, estas coisas não me largam! Tratamo-nos por tu...SOMOS!
De súbito a lembrança de um belíssimo texto-artigo de Olavo de Eça Leal inserto na revista Panorama nº 12 de 1942 sobre brinquedos. Como tudo o que escreve faz sentido para mim, como tudo é verdade nesta mentira fingida e bacoca em que se transformou o Natal das prendas!
Aqui, parte deste belíssimo artigo e algumas fotos dos meus brinquedos ( e olhem que não sou tão novo assim-no suave plano inclinado de mais de meio século!). Apreciem! E que as vossas prendas sejam um sorriso de um avô ou avó, a rabugice ou queixa terna de Pai ou mãe, a reconciliação com este ou aquele, que o deveria ser com todos e a vida, a lembrança boa, quente e suave dos vossos brinquedos e o o que deles conseguiram construir de imaginação, o sobressalto e agitado adormecer de noite especial que nem existia, os cheiros bons da casa, o afago ou hálito quente do afecto que existiu mesmo ou sonhado por não existir.
Amanhã, quero o Menino Jesus no meio de Nós Convidei-o, e sei que Ele não faltará! Ele sim, o Natal! O Resto? Subprodutos, enfeites, fato idiota de Pai Natal.
Brinquedos Portugueses Para Meninos Portugueses
Em tempos, quando o Menino Jesus, ou tu, faziam anos, a família e os amigos da casa ofereciam-te objectos desconcertantes e inúteis, chamados brinquedos. Tu, está claro, ficavas muito contente com os presentes, por virem embrulhados em papéis vistosos, por constituírem uma novidade, aliás provisória (lamentável defeito da novidade) mas principalmente por ser costume ficarmos contentes quando alguém nos oferece qualquer coisa.
Na verdade, ou seja, no dia seguinte (a verdade só é completa no dia seguinte), verificavas que os tais brinquedos não correspondiam às tuas secretas ambições. Ah! O dia seguinte do brinquedo!
Como é rápida a decadência do brinquedo, uma vez arrancado ao arranjo da montra da loja, onde brilhou, rodeado por outros brinquedos, valorizado por luzes hipócritas. Os brinquedos deviam ficar eternamente nas suas caixas bonitas, ou pendurados no tecto dos estabelecimentos, para serem apontados pelos dedos indicadores dos meninos.
É raro um brinquedo corresponder à imaginação da criança que o recebe. (…)
Olavo d’Eça Leal “ Brinquedos Portugueses Para Meninos Portugueses” in Panorama nº 12, pág-39-41, 1942
Comprada nas Fontaínhas pelo S. João, era o terror dos ouvidos das miúdas da Sé, a quem adorava "atazanar" os ouvidos, mesmo arriscando ouvir (como ouvia) as dezenas de "cara..." e pqpar, ou mesmo a ida para sítio da minha mãe indizível num blogue!
As SAMEIRAS ( qual caricas qual caraças!) que eram embelezadas com nomes de corredores das voltas a Portugal da altura e que eram as "bicicletas" mais velozes das pistas-passeios do granito portuense!
O PIÃO ( E maldito seja quem confunde pião com piasca- NÃO É DO PORTO CARAGO!), o meu pião, a faniqueira, as "quequas", a velhice assumida e garbosa - nele e em mim! Morrer de pé sempre! Nunca quebrar pela base!
O meu yo-yo! Plástico, simples, pequeno! Hoje um enguiço, ontem artista. horas naquele movimento a aprender a rotina do jogo e da vida! Resistia muito! Tal como ele, difícil de enrolar ainda hoje!
A minha BOLA- DE - MEIA. Com Jornal dentro alegria e gáudio de menino de Rua e da Sé que fui e com quem ainda hoje coabito! As de Couro, só para ricos ou sortudos nas cadernetas completas das Victórias com a cobaia , a baleia e o bacalhau! As de Borracha para os remediados e dinheiro à vista na Central da Borracha! As de Plástico, acessíveis, mas de tostão de aforro, por isso, de meia de vidro, ou de dedo esburacado, com jornais e "embrulho por camadas" com nó fino e apertado. Era o artesão mor das bolas de meia da minha Rua do Cativo, solicitado por menino dos Pelames, Bainharia ou Rua Escura.
Fui tanto com tudo isto que é tão pouco! Fui tão feliz, tão puto, tão "ruaçeiro", tão MENINO!
Hoje Homem, Pai, Professor, estas coisas não me largam! Tratamo-nos por tu...SOMOS!
3 comentários:
É por estes textos e outros que "Existente Instante" se encontra na minha lista de blogues. Obrigada!
Nesse tempo, eu esperava um ano pelo brinquedo desejado para o qual os meus pais tinham que ir juntando o dinheiro (embora o meu desejo não fosse de luxo) para mo darem com amor e por amor. Mas nós inventávamos brinquedos e brincadeiras deliciosas, éramos imaginativos e criativos... o que fazíamos por exemplo com as caricas!
Caro E.I., vale a pena não desistires da blogosfera, todos os teus textos são uma preciosidade de bela escrita, às vezes um humor delicioso, outras vezes um estilo inigualável contudentemente satírico. Não nos prives dos teus textos, únicos nesta blogosfera maioritariamente oca.
Feliz Natal! Sei que o teu será verdadeiro, puro.
Um abraço caloroso.
Ai que arrependido estou de não ter passado por aqui nos dias que antecederam ao Natal... para saborear os teus belos textos( e dos que muito a propósito de outros aqui colocas) como diz a Isabel... vim por aqui abaixo, passando pelo Ruy Belo... a Sophia...Eça Leal... e terminar neste último com as fotos dos teus/nossos brinquedos de infância... sabes o que mais adorei? Os das Sameiras (para mim caricas... pronto!)... tal e qual como tu descreves e fazíamos corridas com os nomes dos ciclistas e jogos de futebol com os nomes dos jogadores... todos pintadinhos por nós... velhos tempos!
...
Que bem me soube amigo.irmão aqui vir e beber destes textos que nos enchem o coração.
...
E a Isabel tem razão... o teu estilo é inigualável... a tua sátira... que recordo da introdução ao texto do primeiro andar em que invocas Ruy Belo :"...de um cariz cristão tão certeiro, tão fecundo que deveria ser objecto de reflexão de todos que se dizem cristãos, sobretudo os de sacristia, os soberbos e vaidosos papa-hóstias, os "sacerdotes-lacoste" ou acácios - barrigácios ( e meu deus, como a igreja ainda os vai tendo!)."
...
E pronto, amigo, mais vale ler-te tarde que nunca. Soube bem!
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E, aproveitando a boleia... boas entradas Arlindo e Isabel, assim como para as vossas famílias, em 2012.
Sorriso.abraço.aternuração!
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