Por vezes, ser “rato de biblioteca” dá jeito. Então não é que depois de muito vasculhar, vou descobrir que sou possuidor de dois livros do nosso Secretário de Estado Valter Lemos?! Havia tempos que uma comichão estranha , me cocigava o couro cabeludo. Onde? Onde esses dois livros ? Precisava de os ler, de os rever, de os confrontar na actualidade com umas ideias longíquas que deles tinha. E ao lê-los, se ainda restasse em mim algum resquício de dúvida sobre o “crâneo” ( reparem que não disse inteligência) que foi magicando muito do que últimamente tem saído em relação à classe docente, perdi-o!
Um dos livros, é uma obra colectiva , onde participaram para além de Valter Lemos, Anabela Neves, Cristina Campos, José M. Conceição e Vítor Alaiz “ A Nova Avaliação da Aprendizagem – O Direto ao Sucesso “ da Texto Editora, 1992, portanto, 16 anitos. Sendo obra colectiva, pena tenho que os diversos capítulos não tenham identificação do autor (es) dos textos, como tal não consigo identificar o que é da lavra do actual Secretário de Estado. Desde já afirmo que o livro até nem é mau, e os sublinhados que nele fui fazendo provam que alguma utilidade tive na sua leitura, principalmente sobre modalidades e instrumentos de avaliação, á época da Reforma, muito em voga. Mas este livro tem momentos interessantes relativamente à avaliação dos alunos, que com as devidas e cuidadosas extrapolações, fornecerá matéria de reflexão em relação a muito do que hoje se vai comentando em relação à avaliação dos docentes. Vejamos:
Na página 10, na INTRODUÇÃO, lê-se:
“ O Problema que se coloca com a aplicação do novo sistema de avaliação é, antes de mais, um problema de atitude. Depois – só depois! –um problema de condições.
A atitude é algo que temos de construir por nós próprios. As condições, determinadas com a maior objectividade possível,são algo que temos de exigir, mas não apenas às entidades exteriores à escola. Também a nós próprios, à nossa escola, à forma como nela organizamos o ensino que proporcionamos aos nossos alunos.
O Estado centralizado com o qual nos habituamos a viver tem de ser destruído de uma vez por todas. Antes de mais dentro das nossas cabeças.
Não podemos estar à espera da circular XYZ/ME/92 para saber se podemos fazer isto ou aquilo. O enquadramento legal da Reorma e, em particular, da autonomia, está publicado e todos nós, professores, temos uma tarefa as cumprir: ser os garantes do sucesso educativo dos nossos alunos. Façamo-lo! “
LERAM BEM? MAS LERAM MESMO ? Repito, não sei se foi, sua Excª o SE Valter Lemos a escrever este verdadeiro naco de “Chicha” poético-educativa, mas, esta leitura faz-me lembrar “ O que hoje....”!
Na página 77, no capítulo 4.5 “ Critérios e Ética da Avaliação” , alguém escreve que a “aplicabilidade” , a “objectividade” e “clareza”, deveriam presidir aos registos de aproveitamento dos alunos, para mais à frente se afirmar peremptoriamente que em relação a esses registos:
“ ...convirá notar que, tratando-se de um documento escrito, os juízos acerca de um aluno registados num dado momento podem influenciar decisivamente o seu futuro, tanto positiva como negativamente. Correm-se sempré sérios riscos quando se atribui a alguém um determinado perfil pois esse retrato não tem necessariamente de ter validade preditiva, quer quanto aos conhecimentos, quer quanto aos comportamentos futuros .... A emissão de juízos sobre as características ou qualidades de um aluno não pode ser feita de ânimo leve , devendo pois, constituir motivo de reflexão de todos os intervenientes no processo. Se se aceita frequentemente que os p+rofessores estão em posição de fazer juízos sobre o carácter, os conhecimentos e as destrezas pessoais dos alunos, é necessário que os mesmos sejam cautelosos nas conclusões que incluem nos registos, pois é o futuro do aluno que está em jogo...”
Leram bem?! Mas mesmo bem?! Então façam como a nossa miúdagem quando tiram uma positiva: cotovelo para baixo, fechem a mãozinha direita, se canhotos a esquerda, e gritem a plenos pulmões : YES! YES! YES!
Raios me partam, se enquanto transcrevia esta parte, não me enganei várias vezes e em vez de aluno, não me puxava o dedo para a tecla P... ! Ah! Ah! Adoro arqueologia!
O livro seguinte é “ só memo” do SE Valter Lemos . “ O Critério do Sucesso- Técnicas de Avaliação da Aprendizagem”, editado em 1986 pela Texto editora. O livro divide-se em 6 capítulos, indo da “ Avaliação: Teoria e Acção” , passando por “ a Construção E Utilização dos Instrumentos de Avaliação” , “Qualidade dos Testes” , “Tratamento de Resultados de Testes e Questionários” , “A Correcção e Pontuação dos Testes e a Classificação dos Alunos”, para terminar com “ A Utilização dos Dados de Avaliação da Aprendizagem – A Avaliação do Ensino”.
Não sou má língua e novamente o livro tem o seu quê de interesse, todavia quando o adquiri em 91, apenas uma leitura apressada e diagonal , porque ele não veio trazer grande coisa ao que já sabia, e os meus interesses na altura como agora , estavam centrados na diaristica docente, nas histórias de vida, na Psicanálise na Educação, nos ciclos de vida da profissionalidade docente. Assim o “querido” Valter , ficou para trás no pelotão dos livros “aguadeiros”, esperando que os outros cortassem a meta dos meus interesses. Passados dezassete anos, cá chegou à meta, sem carro-vassoura. Que o autor me desculpe, e “ò Maria tra aí o Bufalo! Não há?! Traz Nugget, faz favor!”.
Coisas interessantissimas que tenho à minha frente e que passo a citar sem comentários, pois cada leitor terá a sua dose de inteligência para verificar o que mudou , o que se mantêm graniticamente Valteriano, ou mesmo uma ideia de ...que se transmutou noutras por ínvios caminhos.
“ Sabe-se que as razões do incusesso escolar são múltiplas e se prendem com alguns factores não controláveis pelo professor”
“...Comecemos pelo que não deve ser feito. O professor não deve, nunca, modificar classificações atribuídas, só para se situar em níveis aceitáveis. Isto além de uma questão técnica, é também uma questão deontológica. As classificações finais devem reflectir o nível de aprendizagem atingido pelo aluno, e como tal, o professor não deve modificar nada, só para mostrar um menor ou maior «número de negativas». A ocorrerem modificações elas só poderão resultar de outros factores, como adiante veremos. É importante dizer isto, porque, por vezes, nomeadamente alguns professors menos experientes ou menos preparados, são «induzidos» a alterar classificações, nas reuniões de avaliação, somente pela razão de não quererem mostrar resultados muito fora dos intervalos obtidos pêlos restantes colegas. Isto deve-se a um aspecto de insegurança profissional, que é possível ser ultrapassado.”
E agora para terminar...a última página do livro, na minha óptica a mais extraordinária do mesmo! Leiam , releiam, treleiam, esbugalhem os olhos! Mas afinal ó Hitchcock , haverá outro senhor com o nome Valter Lemos, e eu estou enganado ! Ai! Ai! Por vezes o Verbo é mesmo de encher!
“...Muitas vezes se ouve dizer que, «os programas são grandes demais», «é impossível cumprir tal programa», «os programas não estão adequados ao nível etário dos alunos», «o programa não presta», etc. Tais afirmações escondem muitas vezes, verdades aparentemente óbvias e outras vezes «desculpas de mau pagador», sendo difícil apoiá-las ou contradizê-las por não existir avaliação de programas em Portugal.
Esta avaliação que não se refere ao programa de estudo estritamente dito, mas também ao tipo e qualidade da sua implementação e ao desenvolvimento curricular efectuado a partir dele, é mais do que um problema de cada professor, um problema de cada instituição escolar e da comunidade escolar nacional no seu todo. É um vector fundamental da tal investigação pedagógica que pouco se faz, da tal inovação de que tanto se fala, e da tal avaliação de qualidade e mérito em que se pensa, mas nada se diz.
Não basta saber o nível de insucesso de um determinado ano ou ciclo (quando se sabe), é necessário investigar as razões do mesmo e actuar sobre aquelas em que seja possível introduzir modificações visando o melhoramento. Em certas escolas, após o fim das actividades lectivas, ouvem-se, por vezes, os professores dizer que lhes foi marcado serviço de estatística. Isto é dito com o ar de quem tem, contra a sua vontade, de ir desempenhar mais uma tarefa burocrática que nada lhe diz. Ora, tal trabalho, não deve ser de modo nenhum somente um trabalho de estatística, mas sim um verdadeiro trabalho de investigação, visando a avaliação institucional e programática do ano findo. Saber quantos e quais (se necessário) os alunos que tiveram insucesso e em que disciplinas, quais os níveis de sucesso em cada uma destas, quais os resultados de cada professor e cada grupo, quais os níveis de cumprimento dos programas e as suas razões, qual a taxa de abandono, etc., etc., não serve somente para «saber». Serve para planear a introdução de mudanças que melhorem os resultados.
O objectivo de qualquer organização social tem que ser a melhoria constante do serviço que presta. Na educação é uma obrigação absolutamente prioritária. O tempo que muitos professores passam a conferir bilhetes de identidade e colar selos no momento das matrículas, seria bem mais proveitoso quando utilizado em trabalho visando a investigação e avaliação de programas.
Já não estão em causa aspectos estruturais como a ausência de uma verdadeira carreira profissional motivadora, nem a pouca eficácia de um processo de regulação do sistema escolar, mas, sim somente um pouco de organização durante as férias escolares, de forma a libertar os professores de tarefas administrativas (quando não de limpeza) e a enquadrá-los e organizá-los em equipas tendo em vista a avaliação e a investigação. Não diremos que se passe já para um sistema em que cada professor seja um professor-investigador, mas, que, pelo menos, cada organismo, cada escola, avalie, no fim de cada ano, o trabalho realizado. “
Tenho dito ! Que Deus me perdoe e...a ele o salve! Amen! (E não estou a brincar! O Homem faz parte das minhas orações, pronto!).
3 comentários:
Então, meu caro, não te lembravas destes livrinhos? A memória humana é assim, saudável e irónica: varre o que não presta.
Bom, OK, és rato de biblioteca e eu tenho uma memória de elefante, lembro-me perfeitamente do pastiche, da colagem de textos e ideias nada próprias de que se amassam.
Ah! E eu gosto de fazer limpezas na Escola, mudar os móveis, renovar as plantas, reciclar os materiais, mudar posters, pôr tudo a brilhar como da primeira vez.
Idiossincrasias...
:)
Realmente não deixa de ser extraordinário que o SE Válter Lemos tenha mudado tanto de opinião. Porventura talvez porque as suas ideias do passado não caibam, no presente, no politicamente correcto (e hoje em dia manter o emprego é muito importante, com a crise que por aí vai!)
Ah! E convém não esquecer que pode estar a espreitar o lugar de ministro ... da educação!!!
:) Já deixei um fiozinho de seda até aqui...
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