sábado, 2 de fevereiro de 2008

Apenas Eles...e Graça Morais


Sábado de calmaria. Só eles a importarem. Eles, as maravilhosas áleas, uns pássaros ariscos, e um sol envergonhado que rapidamente se foi, substituído por vento leve, corredio e frio de fim de tarde. Quase sempre em silêncio, quebrado aqui e ali pela minha “Pipi das Trancinhas Largas”, que de saltito em saltito, ia fazendo concorrência às gaivotas e passarada inquieta, que dominava a erva rasa e espaçosa dos Jardins do Palácio de Cristal. Eu e a minha T, fartos dos impostores e da impostura dos dias, a necessitar de purificação, eles, F e M, a precisarem de tirarem o fato surrado de uma escola-tira-tempo, que lhes vai tirando sonho, alegrias, vontades, e num raro silêncio de Palácio de Sábado à tarde, juntos como força regeneradora, que escolhemos ser, desde que somos.

Depois a ajudar ao banho, essa maravilhosa pintura da Graça Morais, patente na Galeria da Biblioteca Almeida Garrett, integrada na colecção da Fundação Paço d’Arcos. 147 obras, entre pintura, desenho e azulejo, realizadas de 1982 a 2007, em que a terra -nossa ou a de Cabo Verde, a fábula, a infância e os brinquedos, mas também os medos, a condição de mulher, ou a imaginação e o sonho, nos fazem reencontrar com o fascínio de um olhar primitivo, quase táctil, de uma arte que se questiona a si própria.

Bebemos a taça toda em silêncio, até porque quase ninguém em toda a galeria. Tão diferente desse tagarelar pedante e estapafúrdio das galerias da moda, aproveitamos. Sorvemos até ao último gole, a emoção - travo que cada obra nos foi apaladando. A minha “Trancinhas” gostou, M saiu com um azul maravilhoso da Graça Morais nos olhos, F, intrigou-o os títulos, a minha T, azulejou-se de amarelo Cabo Verdeano e eu, na frondosa e já nocturna Avenida das Tílias, apenas iluminada pelas luzes amareladas de alguns candeeiros, pareceu-me ver ao fundo, quase como aceno “ As Escolhidas “ (IV). Sorri-lhe.

Faltou-me só fazer a despedida no Guarani, nessa maravilhosa, tórrida e amarela Amazónia da Graça Morais. Não pôde ser! Não iriam ser dezenas de turistas que me iriam estragar o resto do silêncio do dia. Preferimos poiso mais popular e sereno, para repasto do corpo, que d’alma e olhar já bem alimentados estávamos.


Graça Morais,O Interdito Transfigurado,1987

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