domingo, 23 de dezembro de 2007

MInha Mãe III



Sem "papas" e tento na língua, minha mãe! Mulher da Sé, da Ribeira, da Rua Escura, da Banharia pode ser tudo, ventríloqua não e! Não manda dizer, diz e pronto O calão, o palavrão, são pedras - defesa sempre prontas a atirar! Que se cuidem os sagrados nomes dos pais ou mães dos incautos que se atravessem no seu caminho! O palavrão portuense é um grito não calado do fundo das entranhas, descarga de raiva incontida, arremesso de ódio ou desprezo, pedra cortante, angulosa, nunca polida! Quem diz um palavrão sabe que o diz, não percebe o que diz! Ele sai, seta disparada, pronta a atingir, mas livre de preconceitos/de hipocrisia, literatura, "conversa fiada"! Talvez o destinatário seja o ultimo que se quer atingir, talvez seja a pobreza, a miséria a discriminação, o alvo a atingir. Talvez...ou talvez não seja. Talvez se diga porque é obrigatório dizê-lo. Há quem não goste, não compreenda, eu compreendo-os. Mas que se há-de fazer? Só eu sei, a luta interior comigo mesmo! Sou da rua, sou da minha mãe e, corre-me no sangue o dito cujo palavrão! Tanto me tenho esforçado para o educado de mim vencer a educação de menino de mim! Tenho-o conseguido em parte! Tenho a noção da conveniência, mas não consigo controlar a torrente vocabular; perante a hipocrisia, a injustiça, a discriminação, a barbárie! Maus políticos, terroristas, "dealers", "trauliteiros", proxenetas e proxenetas do desespero alheio, multidões chorosas de lágrimas virtuais... o que eu vos chamo! Ter alma de condor e planar de espírito sobranceiro sobre tudo, olhar de olhar irónico e despossuido, aceitar placidamente as "pulhices" do mundo, observar autoridade de ditador feita, atingir paraísos de fuga, não me foi destinado, não é para mim! Tenho por destino esta alma de leão, olhar inquieto e nervoso de gazela, a agitação in­terior de bisonte em manada, mas também a quietude dos grandes espaços! A minha paz interior nascida do desassossego, o meu equilíbrio essencial do desarranjo interno, a minha calma, na desconstrução racional da raiva, planura de felicidade depois de tropel de emoções!

Minha mãe que escondia de meu pai, as traquinices e asneiras de menino, embora ameaçasse que não Só o que não podia esconder, particularmente as notas escolares, tão cioso delas era meu pai. No dia em que teve de contar a mentira da aprovação no 1ºano do Liceu, ela sabia c que me esperava! Uma tareia enorme a que assistiu, até dizer aflita "Já chega...Z!" ; depois da minha dor,da minha humilhação, no meu choro e ranho, ouvia-a ripostar enérgica para meu pai:"És um estúpido de um homem! Ele mentiu-te meu estúpido...porque tem medo de ti!". Ali estava ela a desvendar o óbvio, a desnudar minha alma, a sentir dolorosa o meu afastamento interior do pai! Ela a interiorizar que do medo à indiferença ia um passo e, da indiferença à perda outro, mas ela não queria! Ela queria-nos salvar, unir as pontas de um no a desfazer-se, mas uni-las pelo lado mais sensível.

Muitas vezes ao longo da adolescência e mesmo depois, perante a minha raiva magoada, os meus desabafos pseudo - racionais, as minhas defesa "armadas",a minha mãe manteve-se sempre"neutra",nunca de tomar partido. Procurava sempre mostrar que por debaixo da minha lógica, estava uma outra, aquela que levava o meu pai a ser o pai que era! Magoei-a tanto! Hoje sei que queria atingir o pai magoando-a a ela! Sei que queria a "vingança” mas precisava de colaboradora! Tenho a certeza que queria a minha família, mesmo que tivesse de fomentar a discórdia! Quando me interpelava meigamente, ríspido e bruto no dirigir-lhe a palavra, lançava-lhe selvagem:"deixe-me em paz! Não me chateie! Não posso estar sozinho? Quero lá saber, vá chatear outro! “duro e burro” zurrava alto num misto de imberbe e ingénuo: "Eu não pedi para estar aqui! Eu não pedi para nascer! Vocês é que sabem para que me fizeram! Se calhar foi por acaso!" Tanto a magoei...tanto lhe disse/tudo me perdoou. Coração grandioso o de minha mãe!!

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