segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A MInha Mãe IV


Minha mãe de crer nos filhos pela alavanca do religioso. Emoção, quando penso na sua devoção ao "advogado" dos estudantes S. Domingos - Sábio e, nas suas velas de cera do meu tamanho na Igreja dos Congregados, para ajudar os meus exames de 5º e 7º anos! Minha mãe de me ensinar autonomia, quando aos doze anos, arrogante e malcriado, por me ter proibido ver um filme na T.V, bati violentamente com a porta do quarto, esquecendo-me da máxima "Deus escreve direito, por dedo torto!". Cinco pontos de suturação no S.Antonio, perante o seu olhar aflito. Em casa séria e inapelável: Fizeste mal a cama, nela te vais deitar! Amanhã, vais buscar a credencial ao hospital e, depois vais sozinho à Caixa a Barão de Nova Sintra, fazer os curativos até tirares os pontos! Não mexo um dedo!". Cumpriu a sua promessa e eu o curativo!

Minha mãe de regateares preços e qualidade, nas vendedeiras da Rua Escura; minha mãe de adivinhares minha paixão adolescente; minha mãe de suportares os meus ciúmes perante o nascimento do meu irmão J; minha mãe de chorares agarrada ao meu choro quando recebi o postal de apresentação na tropa; minha mãe humilde de me pedires conselho sobre a forma de abordares com a C, minha irmã, a sua primeira menstruação; minha mãe de rires de alegria e orgulho do teu filho A, quando num livro que te arranjei, dissipaste o medo da doença grave, pela descoberta do que te estava a acontecer - a menopausa; minha mãe de olhos loucos de felicidade pelo meu "canudo", pelo meu casamento, pelos meus filhos; minha mãe de olhares olhos nos olhos a minha mulher e, ordenar-lhe: "Nunca me chame mãe, que eu não sou sua mãe! Mãe há só uma! Eu sou mãe dos meus filhos!"; minha mãe sempre disponível para os netos, para a nora, para a fruta e legumes da feira, para a roupa a ferro; minha mãe em prédio sem condomínio a ficar com as chaves dos vizinhos para a verificação da água ou luz; minha mãe prestável e solicita, disposta a tratar de velha vizinha em adiantado estado de senilidade; mi­nha mãe ainda pobre, mas sempre disposta a receber roupas e objectos para os pobres.

Minha mãe, "gaiteira" a gostar de passear e viajar, tentando saborear o que na juventude perdeu e a não conseguir! Minha mãe de artroses terríveis de quase imobilização! Minha mãe de netos a jamais te deixarem descer umas escadas sozinha. Minha querida mãe do teu olhar sorriso, do teu dom de adivinhar, da tua franqueza do falar directo, da tua emoção sensível! Minha mãe de há poucos dias em minha casa quando te comecei a ler extractos desta Historia de vida relacionados com a pensão, os avó, eu menino e, de olhos brilhantes de emoção e alegria expectante, perguntaste num sussurro musical se tinha valido a pena: "Valeu a pena, não valeu? Não foi assim tão má a tua vida, pois não, meu filho?". Disse-te que estava ali a tua frente, sem casa própria, sem carro, sem dinheiro no banco, mas com a minha mulher, os meus filhos, dois gatos, milhares de livros e discos…e era feliz ! Percebeste a resposta! À saída, disseste a rir perante a minha mulher, mas alto para eu ouvir, que gostavas de me dar um beijo, mas que eu não gostava de beijos! Passados uns dias, mostrei-te que não era verdade, um beijo do fundo da mi­nha alma e um abraço de segundos, selaram o meu valeu muito a pena! Foste dos primeiros campos onde lavrou a minha felicidade! Se valeu a pena, mãe linda!? Deo Gratias por seres minha mãe!!

Um comentário:

Sara Oliveira disse...

Há quase um ano publicado e ninguém comentou este belíssimo texto, sobre este belíssimo tema?
Os olhos encheram-se de lágrimas, pois, ainda, felizmente, tenho mãe e também o sou. Bem Haja!