Não sei porquê, lembrei-me e rio-me agora a bandeiras despregadas: ROBERTICES!
Também existem gargalhadas tristes para esconder a dor que nos vai na alma. Aprende-se muito com os nossos alunos!
A náusea mais profunda. O enjoo mais larvar. Esta campanha política tornada uma rábula, um excremento da verdadeira essência de uma certa forma de ser e estar na coisa pública e na política. E nem o Presidente da República (como me irrita aquele ar seráfico de garante de coisa nenhuma!), nem membros dessa classe corporativa (e ainda falam dos professores!) que se julga impoluta e acima do comum dos cidadãos, os jornalistas, escapam a chafurdar na lama, no esgoto fétido em que se tornou o merdelim da política nacional.
E nem chateado estou. Apenas sorridente, irónica e anarquicamente divertido. Acabei de me lembrar de uma crónica poética deliciosa de um enorme homem das letras brasileiras , Mário Quintana, a que chamou “Depravações do Gosto”:
“Empoleiro-me numa lanchonete. Peço iogurte.
— Iogurte limão?
— Não!
— Ah, tem iogurte morango.
— Mas não tem iogurte puro?
Pura é a inocência minha. Pois tudo o que preferem agora é com gosto de outra coisa e não da própria coisa. Peço uma mineral. Oferecem-me mineral limão, mineral laranja etc. Procuro uma barra de chocolate. Vejo que é "flavorizado", como lá diz no invólucro. É quase impossível hoje em dia encontrar chocolate com gosto de chocolate, iogurte com gosto de iogurte, ou uma democracia apenas democrática.“
CAMÕES DIRIGE-SE AOS SEUS CONTEMPORÂNEOS
Podereis roubar-me tudo:
As ideias, as palavras, as imagens,
E também as metáforas, os temas, os motivos,
Os símbolos, e a primazia
Nas dores sofridas de uma língua nova,
No entendimento de outros, na coragem
De combater, julgar, de penetrar
Em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
Suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
Outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
Será terrível. Não só quando
Vossos netos não souberem já quem sois
Terão de me saber melhor ainda
Do que fingis que não sabeis,
Como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
Reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
Tido por meu, contado como meu,
Até mesmo aquele pouco e miserável
Que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu, E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
Metamorfoses
Numa época de desolador “ falabaratar”, de desertos áridos de ideias, de propostas de flores de felicidade plástica para jarras de futuro nenhum, de agora “de-bates”, tu, agora “de-bato” eu, de medíocres falantes que geram amplificado comentadores e escrevinhadores ainda mais medíocres, de raivas escondidas, de ódios mesquinhos, de bacoquices e parolices de uma mediana classe que não é mais do que isso...Sena, Jorge de Sena e uma pobres linhas num ou outro jornal, um flash de dois ou três minutos nos televisivos noticiários, um ou outro blogue mais esclarecido e pouco mais, que é quase nada.
Sena sorriria de ironia, da sua terrível furiosa ironia. Ele como poucos tomou o verdadeiro pulso a este país, ele que como ninguém nos pôs a nu com as nossas mazelas, o nosso muitas vezes nauseabundo gosto de apartar , de invejar, de “alabardar” a cultura, fossem os universitários, os críticos, ou os pseudo intelectuais da “caca”, os burros transportadores. Ele que como poucos amou o seu País, a sua Pátria, na sua virulência, sarcasmo, raiva, tão típicas, mas que ao mesmo tempo utilizou a inteligência, a verdadeira cultura, o talento de génio para projectar o que de mais grandioso e belo tinha Portugal.
Portugal pagou-lhe como só a “canalha” consegue pagar: o ostracismo, mesmo depois do 25 de Abril, que fez com que Sena fosse um nome quase proscrito nos altares universitários e sebenteiros, quase esquecido nos manuais e selectas literárias, obtuso e quase citado a medo nas bibliografias sobre Camões, Pessoa, ou outros nomes da Literatura Portuguesa, publicado a prestações e nem sempre de boa qualidade nas Edições 70, raramente reeditado, as suas peças pouco representadas, os seus romances citados amiúde, mas esconsos e perdidos em bibliotecas de nomes mais sonantes e na moda.
A Mécia quis, a “obra” cumpriu-se. Pronto, todo o Sena em Portugal, Inéditos, objectos pessoais, a sua biblioteca. Duvido que Sena no mínimo, aprovasse os seus ossos aqui. O resto, sabemos como se honra muitas vezes os grandes homens em Portugal: de Panteão (ainda bem que não Sena, que gostavas de coisa mais airada!) de promessas, de esquecimento, ou de lágrima crocodilória!
Só um pormenor: No artigo do Público, sofrível aliás, Isabel Coutinho cita Jorge Fazenda Lourenço como Especialista na obra de Sena, cita Joaquim Manuel Magalhães, Fernando Cabral Martins, Vasco Graça Moura, mas por razão que desconheço, não citou, aquele que mais fez por Sena e a sua obra neste país, Luís Adriano Carlos. Um bom tirocínio Seniano para a Srª Jornalista, depois de ler a obra de Sena, seria ler “Fenomenologia do Discurso Poético” do autor citado.
Como adoro Jorge de Sena, aliás objecto de dois artigos neste blogue em Julho de 2008 e, como encaixa que nem luva no tempo presente, “tomai lá Sena” das “Dedicácias”, caros leitores!
“ A Canalha”
Como esta gente odeia, como espuma
por entre os dentes podres a sua baba
de tudo sujo sem sequer prazer!
Como se querem reles e mesquinhos,
piolhosos, fétidos e promíscuos
na sarna vergonhosa e pustulenta!
Como se rabialçam de importantes,
fingindo-se de vítimas, vestais,
piedosas prostitutas delicadas!
Como se querem torpes e venais
palhaços pagos da miséria rasca
de seus cafés, popós e brilhantinas!
Há que esmagar a DDT, penicilina
e pau pêlos costados tal canalha
de coxos, vesgos, e ladrões e pulhas,
tratá-los como lixo de oito séculos
de um povo que merece melhor gente
para salvá-lo de si mesmo e de outrém.
7 de Dezembro de 1971, publicado na Hífen, Porto, nº 6 , Fevereiro 1991, in “Dedicácias”