terça-feira, 16 de setembro de 2008

Leituras de Fim de Verão 1

(Porta de Lado Nenhum)

Marcou-me tão profundamente como poucos livros me marcaram. Na grande reflexão interior sobre a minha profissionalidade docente, ao fim de sete anos de trabalho no “ir para fora cá dentro”, o livro, publicado em 88 por uma colega, foi como um soco no estômago, daqueles que tiram a respiração e obrigam necessariamente a um dobrar-esgar de dor-surpresa. Alguém, companheira de profissão, nos tira os “pensamentos da boca”, transmutando para as páginas de um livro, vivências em carne-viva de um quotidiano docente, de uma análise crivo-crítica, de uma reflexão-desilusão geradora de uma profunda sinergia de mudança. Um livro raro, muito raro mesmo, sobretudo porque ousa como poucos o inconformismo, a lente microscópica de uma análise interior de um grupo profissional, a (des) construção dos poderes constituídos, dos micro-poderes organizados, das solidões docentes e discentes, da “in-solidariedades” reais ou aparentes, das imagens pedagógicas constituídas e suas construções, da asfixiante aceitação da monotonia pedagógica e regulamentar, da incapacidade da fuga ao jugo funcionalista que sempre o poder quis inocular nos Professores, na quase fatalidade do jugo bovino que berramos não aceitar, aceitando-o nos caminhos cruzados da profissão.



Um livro profundamente tocante, sensível profundamente desolador, na força combativa que apresenta, na capacidade de conseguir que muitos depois de o lerem soubessem ao que iam, na inflexão de práticas, de consciência profissional.




Para o escrever a colega, “meteu” em 1984 um ano de licença sem vencimento, ao fim de uma dezena de profissão. Como ela afirmava
“ ...Quantos anos são precisos para aprender a conhecer-nos? Quantos anos são precisos para esquecer o que queríamos fazer? (...) Foi um ano sem licença sem vencimento e sem ADSE. Foi um ano a menos para a mudança de fase, para a diuturnidade, para a reforma. (...) Um ano de descanso, diriam os colegas. Um ano espectadora do seu próprio espectáculo. (...) Um ano, apenas isso. Sem o espartilho comodista do horário, dolorosamente liberto frente à verdade. (...)"



E Porquê? Simplesmente pela necessidade angustiante que a autora sentiu de responder a um apelo-grito interior:
“ Quando diariamente alunos e professores anseiam pelas pelo próximo fim-de-semana, pelo próximo feriado, pelas próximas férias, na expectativa triste de uma alegria eternamente adiada, algo vai mal no reino da Escola. Algo que, entranhado no corpo e na alma muito para além dos currículos, das reformas, ou de qualquer Lei de Bases, atinge profundamente alunos e professores, não como tal mas como pessoas, impedidos uns, receosos outros, de se interrogarem sobre o seu destino de homens na terra. (...) São histórias sem história que os muros da Escola calam, mas que poderiam de igual modo caladas, ter brotado dentro de outros muros deste reino que servimos.”



Um livro catarse? Um livro salvador de um percurso? Talvez, mas sobretudo um livro que passados 20 anos continua a manter toda, mas toda a sua actualidade, a sua acutilância, o seu sentido magoado mas vivo de alguém que se reflecte, se dobra de si para o dentro de si profissional, para projectar na essência primordial do se ser Professor. Um livro para Professores e Professoras e não “mulheres e homens a dias” do ensino, um livro que para já não digo, deixando pelos extractos que vou aqui colocar, à adivinhação dos meus parcos leitores, do título e autora. Apenas uma ajuda: foi publicado numa das colecções mais prolíferas e enriquecedoras da literatura pedagógica em Portugal.




De há vários anos para cá, um livro obrigatório nas nas minhas (re) leituras de fim de Agosto, princípios de Setembro, tal como o são “Aviso aos Alunos do Básico e Secundário” do Raoul Vaneigem, ou mais recente e insistentemente o “Interiores” e “Vontade de Ser” –Textos sobre a adolescência” do Pedro Strecht. Vá-se lá saber porquê? Ou porque... gostos de fim de Verão não se discutem!

Um comentário:

Raul Martins disse...

Caro E.I.
Fiquei com apetite para devorar o livro que falas. Procurei na net mas não consegui referência alguma. O "Porta de lado nenhum" é o título do livro? Não me parece. Espero por uma dicas.
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Um bom ano de trabalho.
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Carpe diem!