domingo, 21 de setembro de 2008

LEITURAS DE VERÃO VI

Para terminar, um texto final:

O Que Nunca Vem Para o Ponto


"Todos os dias. Ainda mais uma vez. Mas hoje, não!

Hoje nos olharemos, ultrapassando esta barreira antiga.


Reencontremos-nos hoje e toquemos-nos com palavras, num espaço novo. (...)



Nós, já há muito nos fomos. Desde que, sem ainda termos pecado, nos acusaram de não sermos a imagem dos vossos sonhos.


Mas eu não vos abandonei, verdadeiramente! No fundo, sempre duvidei de mim, mas tinha medo de acreditar nessa dádiva e, depois, não encontrar mais nada.


Então, nunca nos olhou! Nunca viu a luz deste nosso olhar, o contorno destes nossos gestos, de contrário, isso lhe teria chegado para aceitar essa divida e em nos se redimir.


Talvez seja culpada, mas, mesmo quando me olhava, a mim, e escutava as minhas próprias palavras, fazia-o porque queria ser digna desse vosso olhar. Queria que também me ouvisse, a mim, e assim, permanecer no vosso futuro.


E conseguiu-o! Nele permanecerá como a sombra que nos dividiu em dois, que nos fez perder a memória do que éramos e a alegria de acreditarmos em nós. E em si, também. Quando definitivamente nos fomos, levámo-las connosco. Hoje já só esses seus sonhos sabemos reconhecer, que os nossos, por suas mãos, se perderam.


Mas é preciso reencontrá-los! Eu preciso de vos ajudar a reencontra-los para diminuir esta minha culpa. Eu quero reencontrá-los, porque também preciso deles.

E assim nos pretende usar, ainda mais uma vez! Primeiro fomos o utensílio com que tentaram fazer esse vosso mundo sem nunca nos perguntarem, se também nós o queríamos. E agora, que se perderam nele, querem que sejamos nos a dar-vos o que antes nos tiraram. Pois chegaram tarde! O deslumbramento vazio em que nos forçaram, é tudo o que temos agora. Esquecidos nos encontramos do que um dia, pudéramos inventar. Tão-só sabemos consumir o que lá colocaram para nós.

Ah, mas eu não esqueci, eu nunca esqueci! Eu posso ensinar-vos outra vez a recuperarem-se para que, juntas nos salvemos.

Vimos que ainda não se esqueceu que esta aqui para nos ensinar. Exactamente. E nós, como vê, somos bons alunos. Engolimos todo o saber que nos transmitiu, moldámos-nos com as suas palavras, repetimos todos os seus gestos, seguramos tudo com tal força que ficamos assim colados ao espaço do seu saber, e quer agora ajudar-nos a descolá-lo, a renegar a nossa nova pele?


Não, eu nunca pretendi ensinar-vos fosse o que fosse. Acho que queria era que vocês saíssem outros, descobrissem algo de novo, viessem a ser diferentes. Esse, era o meu sonho!

E somos diferentes, acredite! Diferentes do que éramos para ser, se a sua imagem não nos tivesse ensombrado a vista. Por si, nos foi anunciado o mundo, o caminho já pronto para os nossos passos, tudo devidamente arrumado nos lugares, era só servirmo--nos! Ninguém nos perguntou nada, pois não? (...)


Acham então que os abandonei, talvez por me terem abandonado primeiro, a mim?

Não se abandona o que nunca foi nosso! Pode-se é não aderir. Nós rendemo-nos aos bens com que fomos conquistados: trocámos o que tínhamos, porque nosso era, com o que agora temos e que seu, é; o que desejávamos, porque de nós nascia, com o que agora desejamos e que de si, nos vem. Somos outros que aqui estamos, não os que encontrou no primeiro dia, lutando por um lugar a seu lado, no seu espaço. Abandonados, somos nós próprios portanto, que nos retirámos derrotados desta luta e nos escondemos onde nos não encontremos mais, senão certamente nos juntaríamos aos que, sem a abandonarem, se foram.


E esses, que fazem esses lá fora? Lembrar-se-ão de mim?

Ah! ainda a preocupação da sua imagem! Lembrá-la-ão certamente com mais consideração que nós, porque a venceram, nós não!


Por lá andam pelo mundo que a si se deve, lutando talvez por merecerem a vitória deles, aqui. Porém, duvidamos que venham a ganhar a guerra."


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