Sem destinatário? Talvez, porque o poder que nos vai sufocando não se reverá nele, mas também o mesmo, para determinado contra - poder, que à força de o berrar de o ser, vai mostrando que o quer ser, seja em pezinhos de lã, seja em bicos de pés, seja na incontinência verbal. Na História, os “monstros” nunca estiveram só de um lado, nunca!
MONSTROS
Todos os dias rezo esta oração
ao levantar-me:
Oh Deus,
não me atormentes mais.
Diz-me o que significam
estes espantos que me rodeiam.
Cercado estou de monstros
que mudamente me fazem perguntas,
tal como eu os interrogo.
Que talvez te perguntem,
tal como eu perturbo inutilmente
o silêncio da tua impassível noite
com a minha desagarradora interrogação.
Sob a penumbra das estrelas
e sob a terrível treva da luz solar,
espreitam-me olhos inimigos, formas grotescas me vigiam,
cores que ferem estendem-me seus laços:
são monstros,
estou cercado de monstros!
Não me devoram.
Devoram o meu ansiado repouso,
fazem-me ser uma angústia que se aumenta a si própria,
fazem-me homem,
monstro entre monstros.
Não, nenhum tão terrível
como este Dámaso frenético,
como esta centopeia amarela que a ti clama com todos os seus tentáculos enlouquecidos,
como esta besta imediata,
derramada numa angústia fluente;
não nenhum tão monstruoso
como esta alimária que brama para ti,
como esta desgarrada incógnita
que agora te increpa com gemidos articulados, que agora te diz:
«Oh Deus,
não me atormentes mais,
diz-me o que significam
e estes monstros que me rodeiam,
E este espanto íntimo que para ti geme na noite”
Dámaso Alonso
2 comentários:
Um belo momento, um apelo à interioridade.
Indivíduos psicanaliticamente doentes, ou oportunistas de primeira apanha não entram no meu blogue. Recomendar especialista ou Woody Allen ainda consigo, mais não.
Depois...um dia virá, uma oportunidade surgirá... só isso!
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