sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Sistema Fechado...Sistema Isolado


A foto acima representa uma sala de aula, mais concretamente o laboratório de Geologia de uma Escola magnifica que frequentei durante oito anos, quando ainda havia os Liceus. Oito anos, de medos, de terrores mesmo, mas também de alegrias intensas, de alguns docentes que me marcaram para a vida e a minha futura vida docente, sei-o agora.

Uma escola magnífica, de instalações como já não há, e que vai para quase dois anos fez a provecta e deliciosa idade de 100 anos. Uma escola que para minha alegria a minha filha frequenta, mas que me vai confidenciando, que o meu maravilhamento, não coincide propriamente com o dela. Bem lhe falo dos laboratórios, da piscina, da biblioteca, dos românticos e frondosos recreios, mas ela sente que alguma vida, anda arredia dali, embora não me saiba explicar de que tipo.

Mas dizia uma sala, que segundo conhecimento tem um dos melhores mostruários de rochas, que alguma escola secundária poderá ter. A foto só mostra parte dessa magnifica colecção, que no meu tempo de aluno, chegou a ser “pão nosso de cada dia” nas minhas, nas nossas mãos ainda temerosos de alunos, em aulas de lupa e experiência feita.

Pois foi, foi, mas agora não foi e não é, ou pelo menos, nunca o foi para a minha M, que tendo no ano lectivo transacto aulas naquela sala, que foi aluna de Geologia, naquela sala, que “marrou” termos e termos geológicos, que carregou manual 1ª parte Geologia de 255 páginas, nunca, mas nunca soube o que eram aquelas rochas ali expostas. Diz-me que as olhava, que elas olhavam para ela, pedindo-lhe encarecidamente que as libertasse do silêncio, do bafio do tempo, que lhes pegasse, que as mirasse no seu diferente garbo, características, suavidades asperezas, cintilações… mas nada! Fechadas a sete chaves, enclausuradas como freiras em convento de roda. A Professora que não! Era o que faltava! Vamos à matéria, que tenho um Programa para cumprir. Porquê nunca o disse! Porque sim! Vamos, tipos humoristas da moda:

- Isto é possível?

- É! Quer dizer… Não é! Mas é!

- Mas é ou não é ?

- Quer dizer…É! Mas não devia ser!

- Como?

- Não é! Pela necessidade de um ensino secundário (e não só) que deveria ser cada mais prático, mais experimental, e ainda por cima pelo “nonsense”, pelo ridículo da situação!

- É, porque docente é “magister” na sua aula, escolhe, faz seriação de métodos mais adequados, nem que seja, “ transformar aulas em pedradas de tédio inconsequente”!

- Mas afinal , é ou não é !

- Quer dizer, muitas vezes o que deveria ser não o é, porque quem o deveria fazer não o faz, tornando o fazer ser, compreendes?

- Não!

- Eu explico! O ser possível, torna-se impossível, pela impossibilidade do É ! Por isso aparece o não é! E muitas vezes o não é, vem mascarado das desculpas mais indesculpáveis que se pode imaginar, que procura justiçar o Não É!

- Não entendo!

- Vamos fazer um exercício teórico, estilo causídico, das possíveis explicações para se ter variadíssimas aulas de Geologia num laboratório do tipo mostrado, e nem uma “rochinha” os alunos terem tocado.

- Estou curioso!

- Vejamos:

- Hipótese A – Devido aos ladrões, os armários tinham um sistema de electrificação que poderia pôr em perigo a vida dos alunos!

- Hipótese B – As rochas não falam (por acaso até que sim!) e por isso não tinham grande coisa a dizer aos alunos. Não consta que gostem de hip-hop, sapatilhas All-Stars, Tokyo Hotel, ou que uma “magmática” se tenha inscrito no Hi5!

- Hipóese C- Rochas? Pedras? Ai Jesus, e se há uma lapidação em plena sala de aulas?!

- Hipótese D – Por ordem tutelar e Executiva, terminantemente proibido mexer nos espécimes rochosos!

- Hipótese E – Ver rochas, analisar rochas, lupas, usar os sentidos, fazer relatórios, Ai! Confusão a mais, algum barulho, trabalho de Grupo? Era o que faltava! E se desaparecia alguma rocha ? E se lhes dá na cabeça e começam a fazer perguntas? E Os Exames? E o Programa? Na! Na! Está tudo no livrinho! Sedimentares, Magmáticas e Metamórficas! Que “estudem” pois! Para o teste saem os arenitos, os calcários, os xistos fossilíferos, os granitos, gnaisse ( “nice”…Prof? O senhor quer ir lá para fora!?) e o micaxisto! Ah! Esquecia-me do basalto! Estudar bem os pequenos cristais no seio da pasta homogénea, e o facto de os minerais estarem sempre orientados em determinada direcção! Nem pensem em esquecer que se observa efervescência com o ácido clorídico!

- Hipótese F- Não tenho tempo! Era o que faltava ir ao armário, ver as rochas, prepará-las para aulas práticas! E quem fazia a comidinha aos meus crescidos rebentos! Ainda dizem que não trabalhamos! Que gentinha!

- Hipótese G – Estou velha para mudanças! Raios partam as modernices pedagógicas, as ideias do trabalho aplicado, da aprendizagem pela descoberta! Razões têm os NC e o MR, que isto só vai lá pela moda antiga, oh se vai!

- Vou dar uma rica aula e vou planificá-la ao pormenor: assim nos primeiros dez minutos vou mostrar-lhes com voz séria e pausada, usando o método da questão induzida, se sabem as inter-relações dos sistemas com o meio circundante e as suas diversas formas (Ah! Tenho de ter cuidado, porque ignorantes como são, já sei que vou ter de explicar o significado de “circundantes” – é terrível o Português destes miúdos, e nem o parvo de um meu colega me tira esta ideia, mesmo dizendo que generalizo!). Vou mesmo obrigá-los a saber a diferença entre sistema isolado e sistema fechado! Mais, embora esteja no manual, vou escrever no quadro:

“ Sistema Isolado” – não há possibilidade de permuta de matéria nem de energia através das suas fronteiras. Na Natureza não existem sistemas completamente isolados.

“ Sistema Fechado” – Ocorre intercâmbio energético através dos seus limites, mas não há permuta de matéria.

Bolas que me enganei! Que me deu? Isto é o cansaço da reunião de Departamento! Então não é que em vez de Natureza escrevi…aula! E em vez de matéria, escrevi…vida, afecto ! Estou parva ou quê!? Ai as vantagens deste tal Word, e da acçãozinha de formação no Centro – “borrar” e “delete” ! Pronto já está!

Ora esta, agora só me faltava esta! A porcaria do galo da vizinha a cantar três vezes!

- Gostei das hipóteses, mas continuo com dúvidas! É possível?

- É, e não é! É, porque há quem não saiba tocar guitarra, nem queira aprender a tocar guitarra, embora tenham uma raiva terrível de quem sabe tocar guitarra! È porque há a cátedra, a poltrona, o “saber de cor”, o “ deixar estar, por favor não incomodar” ! O Não quero saber, o “era o que faltava”, o “ Eu é que sei!”!Não é…porque não deveria ser!

- E afinal como se avalia esta História rochosa? Afinal estamos perante um caso de “novatismo” , ou “titularidade” ?

- Actualmente titularidade! Olha pelo modelo antigo do Relatório Crítico, era fácil:

“ Utilizei a preceito e com proveito pedagógico os materiais pedagógicos de forma diversificada e criteriosa, utilizando metodologias activas e formas de trabalho dinâmico com os meus alunos, principalmente na disciplina de Geologia”.

- E agora!?

- Não sei! Talvez....”Planifiquei as minhas aulas com grande cuidado, estabelecendo limites temporais acertados e consequentes com as diversas fases da aula, respeitei escrupulosamente o plano elaborado com antecedência legal, bem como levei os alunos ao sucesso escolar como se prova pelos resultados dos exames !

- E os outros?

- Quais outros? Ah! Esses? Foram ficando pelo caminho, esmagados pelo peso rochoso da Geologia!

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